
De repente lembro que foi num mês de Touro, mais exatamente em maio de 1992, que pisei em Caxias do Sul pela primeira vez, em férias. E lembro também que foi noutra anterior temporada taurina, em maio de 1986, que subi por primeiro a Serra gaúcha, rumo a Canela e Gramado. Em resumo, minhas vindas iniciais da Bahia ao Rio Grande do Sul se deram em taurinos outonos.
Ah, agora entendo o contentamento da minha sensorial Lua em Touro com o frescor da paisagem serrana, o sabor dos vinhos, a sensação do vento gelado na pele. Eu já conhecia os discos do Nei Lisboa e, ali, entre pinheiros que exalavam notas aromáticas peculiares, pude compreender o sentido dos versos: “Tenho um cheiro da Serra em mim / Verde Europa tupiniquim”. Pois é, caxiense Nei, aquele cheiro nunca mais saiu de mim.
E minha Lua bovina continua a ruminar memórias. Entre conexões telúricas, puxo uma cena de tempos depois, quando já vivia em Caxias. Num recital de poesia no saudoso bar Voo Livre, atores locais declamavam poetas do ado. E eu fiquei particularmente tocado por um poema do autor Olmiro de Azevedo, que começava assim: “A princípio era a floresta apenas, e o sol e o vento”. E seguia adiante: “Era a terra moça que se dava, inteira, / aos casais que vinham de longe, / com a coragem e o amor dos fortes”.
O poema falava do surgimento da cidade, inicialmente como uma rua sinuosa apenas, a partir do trabalho dos pioneiros no manejo da ainda farta floresta. E contava dos primeiros filhos e das esperanças brotadas das “cantigas e orações aos pés dos berços e dos fogões nas noites longas”. E não esquecia dos “primeiros mortos queridos, chumbados à terra como heróis cujos nomes foram apagados pelo tempo”. E o poema de imagens tão vivas terminava como começara: “A princípio, era a floresta apenas, e o sol, e o vento...”.
Um gênesis poético de Caxias do Sul! De tanto gostar desse poema, já o citei em vários trabalhos de roteiro sobre a história da cidade. E o cito de novo nessas ruminações sobre as terras serranas no clima de celebração pelos 150 anos da imigração italiana à região. Na crônica anterior, comentei que tradicionalmente os colonos pioneiros teriam chegado à hoje Nova Milano sob o Sol de Touro. E agora percebo que também fui enredado nessa conexão taurina maios atrás, quem sabe por artimanhas de minha Lua que ama florestas e verdes.
E veja a minha nova descoberta: Olmiro de Azevedo (1895-1974) era um taurino, nascido a 29 de abril! Natural de Montenegro, desembarcou do trem em Caxias do Sul no ano de 1919, para ser juiz distrital. E na cidade ficou para sempre, em múltiplos papéis, de jurista a jornalista, de político a poeta. Com seu astro regente, Vênus, em Gêmeos, o mesmo versátil signo de Caxias, Olmiro se encantou por essas terras altas e férteis. Noutro poema, escreveu: “Eu canto a terra loura e verde / em que fiz meu pouso, / entre os simples que amam o vinho e a charrua”.
Intelectual de destaque e dono de espetacular oratória, Olmiro foi quem cunhou a frase lapidar do convite para a segunda edição da Festa da Uva, em 1932: “Vinde ver o que somos e o que valemos”. Ora, valores são tema de Touro. E era hora de a terra arada pela coragem e pelo amor dos fortes revelar seus frutos maduros, sua cultura única, seu jeito de ser no mundo.
Acho que Caxias precisa redescobrir — e valorizar — esse seu grande poeta.