Se Áries é o signo que nos atira na viagem que é viver, Touro é símbolo da bagagem que levamos. Mala, mochila, bolsa, ou apenas um bolso, é onde guardamos o necessário para nos sustentar ou amparar na jornada vindoura. Eu mesmo odeio fazer a mala antes de qualquer viagem, curta ou longa. Nunca sei ao certo o que levar, mesmo em saídas costumeiras. Imagine ante uma viagem sem intenção de volta, uma mudança definitiva de vida, como foi a grande travessia oceânica que marcou o começo da imigração italiana para o Rio Grande do Sul há 150 anos!
Ainda que envolvesse camponeses pobres, com quase nada de seu para carregar, imagino o quanto deve ter sido sofrida a escolha da bagagem. Fará frio na tal serra do sul do Brasil? Será a terra prometida fértil ao que na horta local germina? Dizem que o governo vai fornecer as sementes para as primeiras lavouras, mas sementes de quê? Como deixar para trás a pesada bigorna herdada do avô, a velha arca de madeira da família? Felizmente não ocupa muito espaço o quadro da Madona de Caravaggio e a imagem de Santo Antônio: com fé, tudo há de se ajeitar.
Penso agora: se a tradição definiu o dia 20 de maio de 1875 como o de chegada das primeiras famílias italianas aos altos serranos onde hoje se localiza o distrito farroupilhense de Nova Milano, então esse mito fundador tem algo de Touro. Sim, aquele dia inaugural era o último da agem anual do Sol por Touro. A floresta ainda pouco explorada, de altivos pinheiros e de tantas outras árvores estranhas, ilustrava bem a força verde que a astrologia costuma associar a Touro, terrestre signo da natureza pujante.
Naquela primeira noite, será que o céu de outono estava limpo? Se sim, então as famílias dos pioneiros Stefano, Luigi e Tomazzo puderam contemplar uma perfeita Lua cheia. Ah, que sinal cósmico mais auspicioso! O lunar pleno saindo de detrás das araucárias! O ar frio mas estimulante, aquele clarão no céu, aquela terra virgem a ser cultivada: tudo deve ter dado alento contra as dores do corpo, as escoriações e os pés estropiados pela dura subida até ali, limite da área colonial.
Natalina, Angela e Maria, esposas devotadas, talvez tenham chamado os maridos lá de fora, ainda inebriados pela Lua, para arem juntos as contas do terço, dentro do barracão improvisado. Ave Maria, piena di grazia, el Signore è cun te. E de dentro das malas gastas, dos sacos e trouxas, devem ter encontrado algum toco de vela que acenderam no fogo. E a nova chama não iluminou apenas um pouco mais o ambiente do barracão, mas todo um caminho de esperança no futuro.
Curioso pelo tema da bagagem literal dos imigrantes, saí a pesquisar no clássico Italianos e Gaúchos – Os Anos Pioneiros da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul, de Thales de Azevedo. Consta que as bagagens foram motivo de muitos problemas. Embora guardassem o que os colonos mais precisavam, eram sujeitas a demoras na liberação e a perdas. A alfândega era rigorosa na conferência do que podia ou não entrar no Brasil, retendo armas, explosivos e muitos artigos para venda. Também ocorria de os colonos perderem seus pertences por precária identificação e pela própria confusão do desembarque no Rio de Janeiro ou em Santos.
Com o tempo, os que chegaram primeiro escreviam ao seus na Itália, falando bem da terra e dando conselhos do que trazer na bagagem. E assim chegaram mudas de videira, macieira, pereira, cerejeira, figueira, nogueira, oliveira... E o jardim taurino mais floresceu.