
Semanas atrás, escrevi sobre um assunto de interesse de milhões de mulheres. Mergulhada nele também, o elegi como a nova questão a invadir as redes (menopausa, abra um espacinho aí). Trata-se de quando os papéis se invertem e os filhos am a cuidar dos pais. Em tese, é a oportunidade para extrair mais amor da relação, mas a realidade não costuma dar essa colher para teses. O lado prático é que se impõe.
Hoje é dia delas, das nossas mães e das mães que também somos. É muita mãe para um domingo só. Escrevo colunas há décadas e já esgotei meu repertório de homenagens, então hoje darei voz às filhas de 50+, 60+, que há muito tempo cuidam sozinhas de si mesmas e agora têm que assumir a maternidade da própria mãe – também é muita filha para um único domingo. Sei que os pais deveriam entrar nessa equação, mas sendo um dia tão feminino, é para elas – nós – que escrevo.
Nós e nosso pânico quando surge “Mãe” escrito no visor do celular: é ela chamando, desconfiada de que tomou duas vezes o mesmo medicamento. É ela avisando que a janela está emperrada e é preciso chamar alguém para consertar (já foi consertada semana ada).
É ela dizendo que não encontra o casaco azul que tanto gosta (um dia encasquetou que azul não lhe caía bem e ou o agasalho adiante). É ela certa de que tem gente estranha no quarto ao lado (é a cuidadora).
Todos no lucro: ela não levou nenhum tombo no banheiro, que é a notícia que nós não queremos escutar. Nós, que temos que lembrá-la de que as mensagens publicitárias do WhatsApp não precisam ser respondidas. De que nhoque sempre foi seu prato preferido, por que a implicância agora? De que sábado foi ontem, e hoje não tem novela.
Nós, que a incentivamos a ar um batonzinho, a velhice não precisa cancelar a vaidade. Que temos que dar o braço para ela caminhar do sofá até a cozinha. Que a levamos ao cinema e nos emocionamos ao ver seus olhos brilharem diante da tela, mesmo ela tendo reclamado, ao final, que o filme foi muito longo.
Nós, que tentamos fazê-la desistir de usar um tricô já manchado pelo tempo (ela quer poupar os novos). Nós, que penteamos seu cabelo, que propomos um jogo de cartas e que fingimos escutar pela primeira vez uma história mil vezes repetida.
Nós, que nos afligimos quando temos que viajar, que nos culpamos a cada afastamento e que torcemos para que ela não nos ligue no exato momento em que o avião estiver aterrissando – mas é bem nessa hora que ela liga, ela pressente que estamos voltando.
Apesar de nossa atenção estar 99% voltada para o bem-estar dela, como se ela fosse uma garotinha, nem tudo está perdido: ela mantém ao menos 1% do instinto que não a deixa esquecer que sua garotinha ainda somos nós.