
Para que um espaço seja público, não basta estar aberto a todo mundo: ele precisa acolher todo mundo. O que define uma praça, um parque, uma orla como território comum é menos a ausência de catracas e mais a liberdade para estar ali como quiser — sem códigos ou sinais ditando quem é bem-vindo e como se comportar.
Foi essa premissa que a Justiça considerou ao decidir que o Embarcadero, empreendimento de lazer e gastronomia no Cais Mauá, não pode mais impedir as pessoas de entrarem com comida e bebida. Se alguém quiser fazer um piquenique no gramado, com frutas e sanduíches que trouxe de casa, ou se quiser apenas caminhar à beira do Guaíba com a própria garrafinha de água mineral, isso é um direito. Não pode, num espaço público, me obrigarem a consumir só o que eles vendem.
Importante deixar claro: o Embarcadero é um acerto enorme. Ele não devolveu a Porto Alegre apenas um cenário histórico, mas também o orgulho de experimentar um ambiente vibrante, elogiado por turistas, relevante na economia e integrado à paisagem mais preciosa da cidade. Esse é o mérito das parcerias com o setor privado: tirar do papel o que o poder público, por falta de dinheiro ou excesso de burocracia, raramente consegue.
A questão é que, de vez em quando, as parcerias parecem vir com pegadinha. Lá pelas tantas, surge uma restrição, uma intervenção, um detalhe incômodo que jamais fez parte do acordo. O shopping que ergueram na área do antigo Estaleiro Só, por exemplo: nunca esteve no projeto aquele paredão branco horroroso na Padre Cacique. Era para ser uma fachada envidraçada, que permitisse à população enxergar o Guaíba lá do outro lado. Mas cravaram ali um insulto à cidade.
E o Parque Mauricio Sirotsky Sobrinho? A concessão sempre prometeu mais vida e qualidade urbana, só que um dia acordamos com a notícia de que 432 árvores poderiam ser derrubadas — no fim, deceparam 103. É aí que a coisa desanda. Concessão já é, por natureza, um tema que divide. Quando surgem paredes que não deveriam existir, ou vontade de cortar o que não deveria cair, fica mais difícil dobrar resistências e defender projetos que são, sim, bons para a cidade.
O Embarcadero é bom para a cidade. Talvez só precise lembrar que espaço público, quando funciona como deve, não é um lugar que escolhe quem entra — é um lugar que faz todo mundo querer ficar.