Quando nascemos, a angústia inicial é a fome. Essa sensação a com a amamentação, que também acolhe e tranquiliza. Mas essa memória fica armazenada e é resgatada em outras etapas da vida. Mesmo sendo demanda emocional, e não alimentar, o sujeito busca a comida como remédio.

CLÁUDIO MARTINS

Médico diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

O alimento como o ao ado

A comida se torna refúgio, em primeiro lugar, porque damos a ela significados relacionados a prazer e alegria. Comer é, em suma, um ato cultural. Para muitas pessoas, refeições estão associadas a experiências positivas – frequentemente, comemoramos boas notícias com pessoas queridas ao redor da mesa. 

Essa ligação é fortalecida se, ao longo da vida, criamos memórias agradáveis com a família na cozinha ou no bar. A consequência é a tendência a recorrer à comida para ar os mesmos sentimentos do ado.

— Quando nascemos, a angústia inicial é a fome. Essa sensação a com a amamentação, que, além de nutrir, também acolhe e tranquiliza. Mas essa memória fica armazenada e é resgatada em outras etapas da vida. A consequência é que, mesmo sendo demanda emocional, e não alimentar, o sujeito busca a comida como remédio — avalia Cláudio Martins, médico diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

As comidas gordurosas também podem servir como consolo – o estresse daria carta branca para recorrer a um “pecado” cometido apenas em ocasiões especiais. Aqui, o alimento preenche um vazio – em outras palavras, a felicidade de comer substitui a infelicidade.

— O indivíduo desconta na comida porque não tem um espaço interno emocional para absorver uma experiência difícil. Precisa descarregá-la em ato, e come. Uma pessoa saudável, por ter desenvolvido relações positivas, acolhe dentro de si as emoções, sejam positivas ou negativas — reflete o psicanalista César Brito, membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) e professor na psiquiatria da PUCRS.

O turbilhão hormonal e neuronal que o estresse desencadeia

Há também uma reação química desencadeada por situações de estresse que culmina na vontade de comer comidas gordas. O processo ainda não é bem compreendido pela medicina, mas há algumas teorias.

Uma delas é de que a pressão no trabalho, a discussão com o parceiro ou o problema do filho na escola são situações desconfortáveis que, no cérebro, são interpretadas como ameaça. Sobem os níveis de cortisol, um hormônio útil em situações de fuga ou de luta por aumentar os batimentos cardíacos, para o oxigênio chegar mais rápido aos músculos. Só que outra consequência é tornar o corpo resistente à insulina, um hormônio que funciona como “porteiro” ao regular a entrada de glicose (alimento) para dentro das células.

Uma vez que as células estão resistentes à insulina, o corpo fabrica mais desse hormônio para compensar. E, quando há muita insulina no sangue, há fome.

Há o estresse que você pode resolver. Daí crescem os níveis de noradrenalina e cortisol, meu foco aumenta e como mais porque minhas necessidades calóricas subiram. Mas, se preciso aguardar outra pessoa fazer algo, entram a fome emocional e neurotransmissores como dopamina e serotonina. A pessoa usa a comida como forma de se defender contra uma pressão externa.

BRUNO HALPERN

Médico da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

— Com muita insulina circulante no sangue, a reação do cérebro para que a glicose não baixe demais é pedir comida. E os alimentos que fornecem mais glicose são carboidratos complexos, presentes em farinha, arroz e batata — explica o médico chefe do setor de endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rogério Friedman.

O estresse também ativa áreas do cérebro relacionadas à recompensa por comer, mostrou um estudo da Universidade de Deakin, na Austrália. Bruno Halpern, médico da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), acrescenta: pessoas que descontam emoções na cozinha, ao verem comida, ativam no cérebro o sistema límbico, ligado às emoções, e o hipotálamo, relacionado a funções básicas como fome e sede.

— O indivíduo vê a o alimento e tem uma vontade muito grande de comer. Pessoas obesas demoram mais para desativar essas áreas, então precisam comer mais para atingir prazer. Mas é difícil dizer especificamente qual neurotransmissor é ativado porque não é possível abrir a cabeça da pessoa e medir a quantidade presente — afirma o endocrinologista.

Há estudos relatando que a dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa, costuma ser liberada quando ingerimos comidas com altos teores de açúcar, sal e gordura. Esse efeito seria ainda mais acentuado se, por experiências adas, você registrou no cérebro que, quando come chocolate, fica feliz. Há até estudos apontando que, em algumas pessoas, o cérebro libera dopamina só de pensar em tranqueiras.

O quase irresistível glutamato de sódio

A cereja do bolo é a serotonina, chamada de “neurotransmissor da felicidade”, cujos níveis sobem após a ingestão de chocolate, queijo e carboidratos. Mas não se sabe, aqui, se a produção de serotonina ocorre por causa do alimento ou simplesmente porque associamos que, ao comê-lo, ficaremos felizes.

— Alimentos calóricos, doces e com gordura estimulam a liberação de serotonina, que tem ação antidepressiva — diz Rubens Gagliardi, ex-presidente da Academia Brasileira de Neurologia. – Isso também é provocado pela tiramina (uma substância presente em vinhos e cervejas).

A indústria alimentícia também faz seu papel: produtos processados e crocantes, como salgadinhos, contêm em sua fórmula glutamato de sódio, um tipo de sal que ressalta o sabor de comidas ao hiperestimular nossas papilas gustativas a ponto de você simplesmente não conseguir comer apenas uma unidade. Mais difícil ainda de dizer não. 

Vale a ressalva de que nem todas as pessoas descontam emoções no prato. Para muitos, a fome vai embora justamente em momentos de estresse e tristeza. Isso ocorre por várias questões, desde fatores genéticos até uma história de vida na qual a comida não é associada com lembranças positivas. Mas, segundo Bruno Halpern, da SBEM, geralmente, quem é magro emagrece e quem é obeso engorda, a depender do background genético. Ele acrescenta que até o tipo de problema influencia na resposta que teremos.

— Existe o estresse que você pode resolver e aquele que você não tem como, porque aguarda a decisão ou avaliação de outra pessoa. Se tenho que resolver, crescem os níveis de noradrenalina e cortisol, meu foco aumenta e como mais porque minhas necessidades calóricas subiram. Mas, se preciso aguardar outra pessoa fazer algo, entram a fome emocional e neurotransmissores como dopamina e serotonina, porque a pessoa usa a comida como forma de se defender contra uma pressão externa — sintetiza.

Leia mais 


13 dicas para evitar a fome emocional

O primeiro o é ter consciência dos gatilhos que disparam a vontade de comer. Confira



Fome emocional não é compulsão alimentar

Entenda as diferenças em relação ao transtorno previsto no DSM, a bíblia da psiquiatria mundial com todas os doenças mentais catalogados pela medicina. 

 

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais

RBS BRAND STUDIO