
Com objetivo de auxiliar pequenos produtores e levar comida à mesa de quem mais necessita, um programa federal criado em 2003 deixou de ser efetivo em Caxias do Sul. O que antes funcionava como uma engrenagem que comprava da agricultura familiar e reava ao Banco de Alimentos, agora desabastece entidades e deixa de gerar renda aos agricultores. O então Programa de Aquisição de Alimentos foi rebatizado no ano ado e ou a ser chamado Alimenta Brasil. O município diz que já chegou a executar R$ 1,7 milhão anuais pelo convênio. Mas a última remessa recebida foi de R$ 400 mil, em abril de 2020, e foi executada até abril de 2021. De lá para cá, sobra o lamento de quem até então era beneficiado tanto pela compra quanto pela distribuição dos alimentos produzidos no interior.
De acordo com dados levantados pela Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul, cerca de 200 famílias que trabalham no campo foram prejudicadas pelo fim do programa na cidade. Quando se considera o cadastro do Banco de Alimentos, o prejuízo é ainda maior e afeta mais de duas mil famílias que eram assistidas pelos produtos colhidos na zona rural de Caxias.
Há dois anos sem vender produtos para o programa, o agricultor de São José da 4ª Légua, Valdecir Volf, 49 anos, ganhava R$ 6,5 mil anuais com o contrato e lembra das filas que se formavam nas segundas-feiras em frente ao Banco de Alimentos.
— Os vizinhos também faziam entregas, era um dinheiro à parte e isento de imposto do Funrural que come 2,5% da venda. Agora, nos resta vender no ponto de safra — lamentou Volf que comercializava principalmente repolho e alface.

As frutas e hortaliças que chegavam semanalmente à mesa do Centro Assistencial Vitória fazem falta na alimentação das 80 crianças e adolescentes atendidos pela instituição do bairro Planalto. Por lá, são oferecidas mais de mil refeições mensais e, de acordo com a gerente de Serviços Sociais, Gerusa dos Santos Romero, 43, a falta desse tipo de alimento não preocupava porque era trazido sem a necessidade de ser comprado, como é feito atualmente. A despensa que hoje é mantida por meio de um recurso de R$ 2,5 mil mensais aportados pela Fundação de Assistência Social (FAS), com verba do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) conta também com doações da comunidade, que têm priorizado produtos não perecíveis.
— Faz uns 30 dias que diminuiu bastante a doação de frutas e verduras, vamos ter que comprar com o recurso que se focava para adquirir carne — explicou Gerusa, que viu o braço da instituição encurtar para conseguir servir café da manhã, almoço e janta nutritivos para os atendidos.
Nas palavras da assistente social, preencher os pratos com salada e oferecer frutas se tornou um "ponto de interrogação". Com o fim do contrato com a FAS marcado para 30 de novembro, o abastecimento da entidade é, segundo a gerente, constantemente incerto, diferente de quando o Programa Alimenta Brasil trazia diferentes variedades e, por vezes, em quantidade até superior ao necessário.
— Recebíamos sucos, tomate, caqui. Nas quintas-feiras, fazíamos sacolas para que levassem para casa, era importantíssimo para as famílias — contou Gerusa, que agora tem de lidar também com a burocracia que a prestação de contas exige e fazer três orçamentos para cada compra realizada.

A escassez do recurso do programa que, segundo o Portal da Transparência, diminuiu 97% em dez anos, reflete na mesa das entidades e afeta também quem se beneficiava com a venda dos alimentos. A granja de Edemar Pedroni, 60, instalada na localidade de São Marcos da Linha Feijó, comercializava cerca de 2,4 mil ovos por semana para o Banco de Alimentos de Caxias do Sul. Proprietária de dois talões do agricultor, a família Pedroni recebia R$ 13 mil ao ano pela produção, mas viu a forma de venda se encerrar na virada de 2019 para 2020.
— Depositavam o dinheiro a cada 15 dias, mas terminou o ano e foi-se, foi fechada a porta. Estávamos inscritos com o nome da minha esposa, porque pediam uma porcentagem feminina, mas nem isso nos manteve — contou Pedroni que agora vende a produção de 7 mil ovos diários para pequenos mercados, feiras e padarias.
Doações para abastecer o Banco de Alimentos
Com 106 instituições cadastradas que atendem idosos, crianças e adolescentes, associações de recicladores, Apaes e comunidades terapêuticas e sem o recurso do programa, o Banco de Alimentos de Caxias do Sul se mantém hoje apenas com doações para garantir a distribuição dos produtos. E, de acordo com a diretora de Segurança Alimentar e Nutricional da prefeitura de Caxias do Sul, Cristina Fabian Gregoletto, o aumento do preço dos alimentos e a estiagem que afetou os produtores rurais no início do ano causam diminuição no número de doações.
— Não conseguimos mais enviar os hortifrutis para as entidades, fazíamos a cada 15 dias, agora só conseguimos mensalmente — contou a diretora.
Segundo ela, o último recurso vindo do governo federal para a distribuição de alimentos chegou em abril de 2020 e foi executado até abril do ano seguinte.
— Os municípios só estão conseguindo recursos através de emendas parlamentares — contou Cristina, que recentemente fez um apelo pela continuidade do programa ao Ministério da Cidadania.
— Era uma venda direta, sem intermediários e que garantia que alimento fresco e da época chegasse para quem precisasse — lamentou ao lembrar de como o programa federal funcionava.
O Pioneiro procurou o Ministério da Cidadania por telefone e e-mail, mas não teve retorno sobre o andamento do Programa Alimenta Brasil até esta publicação.