O que diz o governo federal

GZH procurou o Ministério da Cidadania por telefone e e-mail ao longo de uma semana, mas não obteve retorno. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que recebe recursos da pasta para operacionalizar o programa, informou apenas que o Portal de Transparência apresenta valores já executados (pagos), mas aponta que o total contratado (que inclui verbas não liquidadas) pode ser mais elevado. Em 2021, por exemplo, o valor orçado chegava a R$ 19 milhões, em comparação aos R$ 10 milhões relatados na página de transparência. A Conab informou não ter dados anteriores a 2019, o que dificulta comparações.

Escassez que prejudica famílias

A diminuição nos recursos pagos pelo programa Alimenta Brasil afeta famílias, crianças e pequenos produtores cadastrados como fornecedores e organizações sociais que necessitam das verbas do governo federal. Para exemplificar o impacto do encolhimento da iniciativa em solo gaúcho, GZH conversou com representantes de toda a cadeia do programa (que privilegia a compra e a doação dentro de um município), em Caxias do Sul.

Bruno Todeschini / Agencia RBS
A comida negociada, segundo a diretora de Segurança Alimentar e Nutricional de Caxias, Cristina Gregoletto, beneficiava 106 entidades cadastradas na prefeitura para receber os mantimentos

A propriedade dos irmãos Jones e Joel Dalpiaz, no 1º Distrito, costumava fornecer produtos como beterraba, repolho, brócolis e frutas para o projeto federal. A intenção da dupla de agricultores, que contava com três tratores, era comprar mais um para incrementar a produtividade. Mas os cortes no Alimenta Brasil inverteram os planos.

— Tivemos de vender um dos tratores — conta Jones.

A comida negociada pelos irmãos e demais produtores do município, segundo a diretora de Segurança Alimentar e Nutricional de Caxias, Cristina Gregoletto, beneficiava 106 entidades cadastradas na prefeitura para receber os mantimentos.

— Já chegamos a executar R$ 1,7 milhão (anuais) pelo convênio. A última remessa foi de R$ 400 mil, em abril de 2020, e foi executada até abril de 2021 — diz a diretora.

A redução provoca prejuízos crescentes na ponta final do programa: a mesa de refeições. Conforme Cristina, as entregas de frutas e hortaliças pelo banco de alimentos municipal, que era semanal, virou quinzenal e, agora, ará a ser mensal. A situação só não é pior porque o município segue buscando outras fontes e doações.

A assistente social Maria de Fátima Santos Manique, da Associação Criança Feliz afirma que a escassez vem comprometendo a qualidade alimentar de 230 crianças e adolescentes de seis a 16 anos atendidos pela entidade no contraturno escolar, além de suas famílias:

— Antigamente, distribuíamos o excedente para as famílias das crianças. Agora, só receberemos frutas e hortaliças, pelo programa, uma vez por mês.

“É preciso ter uma política de Estado”, diz assistente social

Uma das esperanças de quem contava com o antigo programa de compra e doação de alimentos ou o renovado Alimenta Brasil é de que se cumpra a previsão de ree de meio bilhão de reais este ano por meio da aprovação da PEC dos Benefícios.

A confirmação da medida, no entanto, não traz alívio definitivo para pequenos agricultores ou gestores de ONGs pelo fato de ser um recurso extraordinário e não o saldo de uma política pública regular com garantia de financiamento.

— Para nós a questão é a seguinte: se esse recurso for realmente liberado, o que seria ótimo, como voltamos a ficar depois do dia 31 de dezembro? É preciso ter política de Estado para combater a fome de maneira eficaz, permitindo que a gente trabalhe com planejamento e segurança — avalia a assistente social Maria de Fátima Santos Manique, que atua na ONG Associação Criança Feliz, de Caxias do Sul.

Outra preocupação dos beneficiados pelo projeto é se o valor previsto será de fato aplicado na íntegra, já que nem sempre os orçamentos são executados por inteiro.

— Na prática, muitas vezes o dinheiro previsto acaba sendo remanejado para investir em outras áreas — observa o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado (Fetraf-RS), Douglas Cenci.

Cenci estima que o valor necessário para aplacar a fome atualmente no país chegaria a cerca de R$ 3 bilhões em um ano. Outro obstáculo no caminho do dinheiro até chegar à mesa da população é a burocracia envolvida: mesmo após a liberação do recurso, é preciso elaborar editais para selecionar os fornecedores, operacionalizar a aquisição e a distribuição dos mantimentos. Tradicionalmente, os editais de anos anteriores previam até um ano para a execução dos valores disponibilizados.


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