
O motorista de Uber conta sobre a turnê com a banda de trash metal. Ele é vocalista e o grupo é bem conhecido, garante. Conta sobre inspirações inusitadas para letras e sugere que eu procure as canções no streaming. Ele erra o caminho, mas a conversa é boa e nem reclamo. Tenho uma pasta de músicas no Spotify, cujo único critério de seleção é gostar delas. A lista vai de Marvin Gaye a Luiz Marenco, de Jorge Drexler a Thiaguinho, de Zaz a Emicida. Sempre a deixo tocando na ordem aleatória e, quando acompanhada, adoro a sensação de estranhamento que ela provoca ao pular de Maria Bethânia para Dilsinho. Penso na apresentação do Duca Leindecker, que já vi mais de uma dezena de vezes, e reflito como alguns artistas já sobem ao palco com o show ganho. Lá pelas tantas, ele dá três batidas no violão, a plateia reconhece a canção Os Segundos e uma avalanche de celulares é erguida para registrar a cena. Ele ri, comenta que assim consegue perceber quais são as músicas favoritas dos fãs, diz saber que estragou os stories de todo mundo com o falatório e recomeça para que todos possam filmá-lo, como se aquela interação nunca tivesse ocorrido. A vida real editada.
Não sei por que shows de pagode começam tão tarde em Caxias. Reclamo e minha irmã defende que horário não é um impeditivo para ver ninguém, quando se tem vontade. Mas horário de trabalho é um dificultador para quem trabalha em domingos e feriados, por exemplo. Tem gente que trabalha até em dia de folga, como um amigo que decidiu cortar muita lenha, fazer o fogo e ar um dia inteiro cuidando de um costelão em um sábado aleatório. Era só para ter o que fazer, explicou. Amo ler ao sol, mas tenho preferido ouvir histórias ao vivo. Gosto das interações combinadas e das aleatórias, como a de um amigo contando que quase me mandou um discurso porque achou que seria polêmico. Não mandou e foi bonito. Intenção também merece ser considerada? Descubro em uma pesquisa que muita gente não acredita nos outros. Como se precisasse da ciência para desvendar esse comportamento. Gosto de ser do contra e acreditar — não por ingenuidade, como supõem, mas por escolha.
As gurias da redação falam sobre livrinhos para colorir, sem chegar a um consenso se a atividade é ou não relaxante. Tento teorizar que o motivo é a atenção plena no que se está fazendo, já que os espaços para pintar são pequenos e exigem concentração. Descubro que trabalhos manuais foram redescobertos e já são considerados tendência. Adoro esculpir, pintar, lambuzar as mãos e todo o tipo de atividade criativa que exija atenção e paciência. Gosto de ouvir meditações guiadas para desacelerar, mas nem sempre consigo me concentrar nas palavras do interlocutor. É mais fácil prestar atenção no que alguém fala podendo olhar no olho e observar os gestos, o desencadeamento poético da fala. Percebo que são os registros de interações, sejam elas meio surreais ou totalmente banais, que fazem os dias serem diferentes e especiais, mesmo quando nada muito importante está acontecendo.