
Tenho reparado que, muitas vezes, só ei a agir depois da morte. Foi assim quando a batida do meu carro resultou em perda total e eu precisei me reinventar. Foi assim quando aquele meu projeto fracassou, e a única opção foi engolir a derrota — que não se programa, apenas se aceita. Foi assim também quando não concordei mais comigo mesmo e percebi que havia mudado (de um instante pro outro, simples assim). A morte, nesses casos, foi interna: eu morrendo para mim mesmo. Logo depois, enfim, renasci. E assim tenho seguido — renascendo o tempo todo, entre os escombros de quem eu já fui.
Tal qual a garota perseguida por um serial killer mascarado no filme de terror barato, tenho esperado assassinatos. De alguma forma — certamente equivocada —, é a partir da perda que sinto que me movimento de fato. Um vício estranho, convenhamos: é como se eu só encontrasse sentido no desconforto, como se a dor autorizasse a mudança de alguma forma. É um tipo de autoconsciência não tão inável, quando se sabe que tudo, eventualmente, acaba — e que justamente por isso vale a pena começar de novo.
Viver à espera da morte todo mundo vive. Mas ei a me perguntar quantas vezes, de fato, já morri. Os pequenos assassinatos que permiti a mim mesmo aconteceram porque, em algum nível, eu acreditei que precisava deles. Que o único conforto possível era o próprio desconforto.
Esse eterno colocar-se à prova não só é uma violência silenciosa, como também invariavelmente solitária. É como um ritual de ruptura e reconstrução. Se a rotina sussurra, a dor grita. E ela é inegociável: há que se encontrar uma resposta para entender o que dói e porque dói – e aí reside o berço da mudança.
Cada luto simbólico que já vivi explica o óbvio: quando o sofrimento é maior que o medo da mudança, é então que decido agir. No fim das contas, talvez todas essas dores não sejam uma punição, e sim uma espécie de portal. É por onde escapo para uma realidade que se torna mais e mais confortável com o tempo, por mais que no início assuste.
Talvez eu ainda não tenha me autorizado a mudar por mim mesmo. Quem sabe algum fragmento de vida tenha me feito acreditar que eu mereço o que me machuca e que assim sobrevivo até que a dor se torne inável. A questão que fica, então, talvez seja tão complicada quanto a reflexão como um todo: é possível renascer sem nem ao menos ter morrido?