Ela desfilava pela praça como se fosse a rainha da beleza. Usava uma faixa atravessada no peito e óculos enormes, como janelas para outro mundo. A maquiagem forte, o batom vermelho e uma tiara adornada com lantejoulas, imitava uma coroa. Sua roupa era de um colorido quase teatral e eu, tão pequena, ouvia os cochichos dos adultos debochando daquela mulher que para mim era extraordinária. “Ela acha que é miss Brasil”. Riam dela. Eu não. Eu olhava e via outra coisa. E me dava um aperto no peito, como quando a gente vê um sonho que não entende, mas sente.
Diziam que já tinha sido bonita; outros, que tinha perdido o futuro prometido. E eu continuava não entendendo o que os adultos falavam sobre aquela mulher luminosa.
Mas a mais impressionante história que ouvi sobre ela foi a de que, ainda moça, tinha sumido por alguns dias. Alguns disseram que ela tinha sido internada, outros que tinha fugido com um artista de circo. Disseram que, ao regressar à cidade, ela parecia fora de órbita — com olhos sintonizados em outra frequência.
Então, eu imaginava que aquela seria a mais provável de todas as histórias (reais ou imaginárias). Quem sabe ela guardasse segredos que só uma menina como eu poderia decifrar? Claro que não. Imaginem se os adultos acreditariam que eu teria alguma chave secreta.
Maluca? Delirante? Eu, na minha ingenuidade, sem saber direito o que era beleza ou loucura, sentia que ali havia alguma coisa que ninguém estava vendo direito. Na verdade, talvez aquelas pessoas se sentissem ameaçadas pelo poder de uma mulher que não pediu licença para existir.
Ela me impressionava, porque era exagerada, porque parecia não ligar para o que diziam, porque criara para si uma realidade que ninguém mais aceitava. E, mesmo sem saber, representava a história de outras mulheres marcadas pela queda e pelo descaso.
Eu era criança, mas cedo aprendi que aquela mulher era diferente — e que gente diferente incomoda, porque o diferente desafia.
Louca ou livre? Seu nome poderia muito bem ser Emma Bovary, que viveu mergulhada numa fantasia estética e se recusou a aceitar uma vida previsível.
A mulher que eu via na praça, de os firmes no sonho, teve coragem de ser o quisesse, de estar onde bem entendesse. Seu nome? Ninguém dizia. Ou talvez soubessem, mas fingiam esquecer.