O momento não poderia ser mais inconveniente: enquanto aqui na Serra gaúcha comemoramos os 150 anos da Imigração Italiana, lá na Itália cortaram um laço importante com a região. A recente promulgação da Lei nº 74/2025 trouxe mudanças significativas nas regras de reconhecimento da cidadania italiana por descendência (jus sanguinis).
Os principais motivos alegados pelo governo italiano para mudar as regras envolvem questões econômicas, migratórias e identitárias. Vamos começar pelas questões econômicas: o governo quer desafogar os serviços consulares e diminuir os gastos, concentrando os esforços em quem tem vínculo mais próximo (no caso, filhos e netos de italianos). Mas também há uma questão pouco falada que é a de reserva de mercado: muitos jovens cidadãos latino-americanos extremamente qualificados, de aporte italiano em mãos, talvez representem uma forte concorrência a outros jovens universitários europeus na conquista de algumas vagas disputadas nos setores de T.I., marketing e inovação.
Contudo, há milhares de vagas excedentes em outras áreas como turismo, hotelaria e serviços (encanadores, pintores, pedreiros, marceneiros). Esse tipo de função não desperta o interesse dos poucos jovens adultos da Itália, um país que, como tantos da Europa, está envelhecendo e precisa de mais gente para trabalhar e produzir. Então, por que não dar uma chance aos descendentes de italianos de viver lá legalmente? Acontece que a maioria dos que obtiveram a cidadania nas últimas décadas não se estabeleceram na Itália, mas a utilizaram como mero degrau para residir, trabalhar, consumir e pagar impostos em outros países da União Europeia.
Lugares como a Irlanda, Polônia e Estônia, por exemplo, se tornaram muito mais atrativos do que qualquer região italiana. Além disso, muita gente sequer cogita sair do Brasil, só queria mesmo ter o direito de “turistar” pelos Estados Unidos sem precisar ar pelo processo de obtenção do visto americano (fato este usado pelas agências para fazer “propaganda” da cidadania). Sinceramente, eu também acharia um acinte movimentar toda uma máquina custosa de análise de documentação e de serviços públicos italianos só para famílias brasileiras irem para a Disney sem sequer ar um dia em Roma.
É inegável que muitos descendentes de italianos jamais tiveram a intenção de manter laços reais com a Itália. Isso gerava críticas internas de que a cidadania estava sendo “banalizada”. E assim chegamos à questão da identidade: é justo se dizer italiano apenas no papel usufruindo de uma penca de direitos e com zero deveres com a pátria? Convenhamos que, no mínimo, o direito à dupla cidadania é algo que há tempos precisava ser repensado e reformulado. O momento chegou.