Entre os ditados populares brasileiros, existe um que, infelizmente, é muito a cara de certo tipo de figura da nossa região: “Come alface, mas arrota peru”. Na verdade, existem outras variantes desse mesmo dito popular, mas o ponto crucial é o mesmo: muita gente se jacta daquilo que não é ou adota um estilo de vida pelo qual não pode realmente pagar.
Confesso que fiquei desagradavelmente surpresa com o anúncio do prejuízo das Surdolimpíadas realizadas em Caxias do Sul. Uma dívida de 12 milhões de reais não é pouca coisa. Após a coletiva do comitê organizador do evento, a sensação que ficou foi de que quiseram bancar um grande evento internacional, um sonho, sem planejar cuidadosamente de onde viria o aporte financeiro para realizá-lo. Colocar a culpa no câmbio, na guerra da Ucrânia, no clima, sinceramente, beira a infantilidade. Contar com o “poder do pensamento mágico”, ou seja, de que “tudo vai dar certo porque eu quero que dê certo” é coisa de charlatão e de palestrante motivacional brega.
Sem dúvida houve a melhor das intenções em promover os jogos em Caxias do Sul, mas, para usar outro ditado popular, há de se evitar dar um o maior que a perna. Imagino como estão preocupados todos os fornecedores e os prestadores de serviços do evento. Hoje em dia, em meio a uma grave crise econômica e a um cenário de incertezas, para qualquer micro ou pequena empresa levar um calote pode significar a falência.
Duvido que alguma empresa ou profissional que tenha sido contratado pela organização das Surdolimpíadas imaginasse que não receberia por seu trabalho, já que se tratava de um evento internacional envolto de boa reputação. Semanas atrás, eu mesma elogiei o sucesso das Surdolimpíadas aqui nesse espaço só para hoje ter que constatar o óbvio: quando o sucesso parece estar só na superfície e nas aparências e beneficia uma parcela dos envolvidos, deixando outras partes no prejuízo, não se trata de um sucesso real.
Agora, adivinhem quem vai bancar boa parte do prejuízo? Obviamente, nós, os contribuintes. A matéria do Tiago Nunes publicada dias atrás aqui no Pioneiro traz a seguinte informação: “Todos querem uma solução para a dívida. Diversas frentes foram criadas para buscar recursos. Os organizadores focam o pedido de ajuda junto aos governos municipal, estadual e federal.” O mais incrível de tudo isso é que se fala em buscar dinheiro público como se fosse realmente uma fonte de recursos inesgotável que dá em árvores e serve justamente para amenizar os estragos gerados pela incompetência de terceiros.
Tais delírios de grandeza acabam desamparando quem realmente precisa de ações austeras e verdadeiramente comprometidas com o desenvolvimento da sociedade como um todo. Para “aparecer”, infelizmente, alguns gestores públicos e organizações sem fins lucrativos ignoram o impacto de suas ações e acabam prejudicando todo mundo, inclusive eles próprios.