
A maternidade é um marco transformador na vida das mulheres. Para além das mudanças no corpo durante a gravidez, ser mãe também pressupõe viver períodos de intensas reestruturações emocionais, principalmente na gestação, no puerpério e no momento em que os filhos, já crescidos, deixam o lar.
Para enfrentar essas fases, é necessário cuidar da saúde mental. Pensando nisso, a reportagem de Donna conversou com as psicólogas perinatais Manuela Lopes e Patrícia Wolff para entender quais são os principais desafios emocionais de cada etapa da maternidade e como lidar com eles. Confira:
Decisão de ser mãe e gravidez
Manuela e Patrícia ressaltam que a gravidez é um momento de preparação e de ambivalência. Mesmo mulheres que planejaram a gestação podem ser surpreendidas pela intensidade emocional do período.
Segundo Patrícia, é um momento em que a mulher se dá conta de que há várias coisas que saem do seu controle, o que pode gerar frustração e insegurança:
— Tem aquelas que desejam engravidar, planejam tudo e mesmo assim acabam sendo pegas de surpresa por alguma coisa. Às vezes, a gravidez vem mais rápido do que elas imaginaram, ou então demora muito mais do que o esperado, ou o parto não é como elas idealizaram.
Na psicologia, a gravidez é considerada um dos momentos mais impactantes do ciclo vital das mulheres. Tanto que a decisão de ser mãe ou de não exercer esse papel praticamente gera uma “crise existencial”, conforme Manuela.
A pressão social também pesa, destaca ela, já que a mulher precisa lidar com mudanças hormonais intensas, alterações corporais, expectativas e medos – do parto, da amamentação, da insuficiência como mãe.
— É no corpo da mulher que acontecem todas as mudanças e desregulações hormonais para o feto se desenvolver e é uma situação pesada para ela: fica impedida de comer e beber certas coisas, tem que fazer mil exames, tem medo de não conseguir amamentar, de se sentir insuficiente, incapaz. Toda essa pressão é estressante. O medo de perder o seu lugar na empresa e de ter que dar uma pausa na carreira também é desafiador — explica Manuela.
Outro fator causador de incômodo é a enxurrada de palpites. Patrícia acredita que há uma noção de que a maternidade é assunto de “domínio público”, portanto todos têm o direito de opinar sobre o que a mãe deveria dar de comer para a criança, como deveria lhe dar banho, quantas vezes ao dia deveria amamentá-la etc.
Para se fortalecer e manter o equilíbrio emocional, a dica é filtrar as opiniões alheias.
— A informação é o mais importante, pois empodera a mulher e lhe dá recursos para entender sua própria gravidez e lidar com as interferências das outras pessoas. Costumo aconselhar que a gestante não desmereça os conselhos, mas entenda que às vezes eles não se aplicam a sua realidade. Então o que resta a fazer é agradecer e tocar em frente, dizer "Obrigada. Que interessante que contigo foi assim, mas comigo quero que seja diferente/estou me preparando para outra coisa" —aconselha Patrícia.
O puerpério e o desafio da fusão mamãe-bebê
Diferentemente da medicina, que define o puerpério como o período de 45 dias após o parto, na psicologia esse período pode durar até dois anos, fase em que pode haver uma espécie de simbiose entre mãe e bebê, motivada por questões psíquicas e até do inconsciente.
— Leva cerca de dois anos para a criança entender que ela e sua mãe não são mais a mesma pessoa e muitas vezes a mãe também acredita que ela e seu filho são um só. Isso dificulta para ela assimilar quando a criança começa ir para a creche, vira sinônimo de estresse e outras questões emocionais, porque essas mães entendem que estão ali para servir o tempo inteiro – e o filho também está ali para servir aos desejos dela. Por isso é importante o limite, se entender como indivíduo.
O famoso “baby blues” também pode ocorrer, principalmente nos primeiros sete dias após o parto. É o momento em que a mãe experimenta um estado emocional que pode ser assustador, repleto de choros sem motivo, exaustão, sensação de incapacidade. São sintomas normais, que fazem parte de um processo hormonal e psicológico temporário.
No entanto, se persistirem, pode se tratar de uma depressão pós-parto, quadro que exige acompanhamento psicológico e, em alguns casos, psiquiátrico, observa Patrícia. Privação de sono, solidão, culpa e pressão por desempenho materno agravam o cenário.
— A dica é se cercar de pessoas que estejam ali para ajudar, entendam o momento que a mãe está ando e respeitem suas decisões. E que não se interessem só pelo bebê, mas pela mãe também. Já ouvi uma puérpera dizer: "A pessoa veio nos visitar e foi direto para o bebê, nem olhou para mim ou perguntou como eu estava". E isso causa sofrimento, pois é como se a mãe se tornasse invisível com a chegada do bebê.
Nesse caso, a recomendação é para a rede de apoio: é importante olhar para a mãe, levar algo para ela comer, se oferecer para ficar com o bebê para que ela possa tomar banho e dormir um pouco.
Também é essencial respeitar as escolhas da mãe e oferecer presença sem julgamentos. O apoio precisa ser sensível, realista e contínuo. Manuela alerta para o perigo da invalidação emocional:
— Na ânsia de ajudar, muitas vezes as pessoas invalidam o que a mãe está sentindo ao comentarem “Eu nunca senti isso, isso é bobagem”, o que faz com que mulher se sinta um “ET” e pense "Estou toda errada mesmo, sou incapaz, não vou conseguir". Ao o que, se ela tem uma rede de apoio que compreende o que ela está ando, é um cenário melhor.
Síndrome do ninho vazio
Quando os filhos crescem e saem de casa, uma nova onda de questões emocionais pode surgir. O lar agora silencioso, antes tão desejado, pode trazer uma sensação de vazio e até de inutilidade para algumas mulheres. “Quem sou eu agora?”, “O que eu faço com meu tempo?” são perguntas comuns nesse período.
Manuela reforça que, para enfrentar bem esse momento, está liberado sofrer. É importante entender que a vida é cíclica e aceitar o que está sentindo para encarar as situações de forma mais simples.
— É permitido ser vulnerável, chorar, sentir medo, tristeza, ansiedade. O caminho não é aquela positividade tóxica de "Tudo vai dar certo, não chora". Chora, se desespera, vai lá tomar um banho, fazer um exercício, conversa com alguém, porque sim, isso vai ar.
Para que o impacto do "bater de asas" dos filhos seja menor, uma dica é tentar manter a própria individualidade ao longo dos anos. Se não foi possível, a palavra da vez será a redescoberta: retomar hobbies, investir em amizades, buscar projetos pessoais ou na vida a dois. A terapia também é uma aliada para reencontrar o próprio centro.
— A dica é se cultivar desde sempre, pensar sobre si, sobre como se vê, fazer o que gosta. Para quem viveu pelos filhos ou para quem estava sustentando um casamento só por causa dos filhos, o momento será muito difícil.