
Uma confusão em uma cafeteria da rede Havanna, em ville, Santa Catarina, desencadeou uma polêmica nas redes sociais envolvendo o padre Fábio de Melo.
O caso aconteceu no início de maio, quando o religioso publicou um vídeo criticando o atendimento no local após identificar uma divergência entre o preço anunciado de um doce de leite e o valor cobrado no caixa.
A gravação viralizou e, dias depois, o gerente da unidade foi demitido. Desde então, o padre ou a ser alvo de ataques virtuais e, nesta terça-feira (28), publicou um desabafo dizendo estar "a um o de desistir".
— As pessoas querem odiar. Por qualquer motivo. Elas precisam eleger um foco para a manifestação de seus lados sombrios — escreveu ele, que já falou publicamente sobre seu histórico de depressão.
Entenda a polêmica
Tudo começou quando Fábio de Melo relatou em um vídeo no Instagram que ele e um amigo compravam um doce de leite na cafeteria da Havanna quando perceberam divergência entre o preço anunciado na prateleira e o valor cobrado no caixa.
— Fui para o caixa pagar e vi que o valor que estava sendo cobrado era muito maior do que a soma de dois potes com o preço que estava na estante. Muito educadamente, eu disse à moça do caixa: "Olha, a soma está errada, porque o doce de leite custa isso, dois potes, então o valor seria este". Aí ela ficou "meio assim", foi lá, viu. Ela falou: "Não, lá está errado". E nisso, o gerente já se adiantou em ser extremamente deselegante, em dizer: "O preço está errado e é isso, se quiser levar, o preço certo é este" — conta.
Segundo ele, ao questionar o gerente do estabelecimento, recebeu uma resposta grosseira e arrogante.
— É apenas para lembrar que, quando um preço está especificado, o estabelecimento comercial tem que honrar aquele preço anunciado, mesmo que esteja errado. Não é o gerente que decide se vai ser cobrado ou não — afirmou o padre, dizendo ainda ter sentido "prepotência" na conduta do funcionário.
Desabafo nas redes
Nas redes sociais, o padre desabafou após ser alvo de críticas e ataques. Em uma publicação em seu perfil oficial nos stories do Instagram, o religioso afirmou estar "a um o de desistir" diante da repercussão negativa do caso.
No relato, o religioso — que já falou publicamente sobre um quadro de depressão agravado pela perda da mãe em 2021 — afirmou que vem sofrendo uma onda constante de ataques online.
Funcionário diz ter sido alvo de julgamento e demissão
A fala do padre, mesmo sem citar nomes, acabou atingindo diretamente Jair José Aguiar, o gerente da loja em questão.
Após o vídeo viralizar, imagens internas da cafeteria circularam nas redes sociais, o que, segundo Jair, o expôs indevidamente.
— Até poucos dias atrás eu era apenas um trabalhador comum. No vídeo, ele fala que falou comigo, que eu fui grosso com ele, que eu tenho sido desrespeitoso com ele, que minha conduta não tinha sido profissional. Mesmo sem ele citar o meu nome, todo mundo ou a saber que eu era a pessoa — relatou o ex-funcionário.
Jair nega que tenha tratado o padre de forma grosseira. Segundo ele, houve um mal-entendido na conversa, mas não houve ofensa ou desrespeito.
— Em decorrência disso, começaram os olhares críticos, os julgamentos, os comentários maldosos. Por conta disso, a empresa achou melhor me mandar embora — completou.
Em resposta às críticas, Fábio de Melo declarou: "Lamento muito que ele tenha sido demitido, não sei o histórico dele, como ele liderava a loja. Só dei o testemunho que nenhum estabelecimento comercial está acima da Lei do Direito do Consumidor".
Sindicato vê erro da empresa e questiona conduta
Em nota pública, o Sindicato dos Trabalhadores em Turismo, Hospitalidade e de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Criciúma e Região Sul de Santa Catarina (Sitratuh) criticou a conduta da Havanna, acusando a rede de agir sob pressão da repercussão online.
Para o sindicato, a empresa não se preocupou em apurar os fatos antes de demitir o gerente e tentou apenas proteger sua imagem pública.
"Sitratuh vem a público manifestar veemente repúdio à conduta da empresa que demitiu um de seus empregados após a divulgação, por um influenciador religioso de grande alcance, de um vídeo nas redes sociais relatando suposto mau atendimento", diz o comunicado.
O sindicato ainda aponta que o funcionário foi "injustamente transformado em alvo de cancelamento virtual", sem qualquer investigação interna adequada. A Havanna também se pronunciou lamentando o mau atendimento, informando que "medidas" seriam tomadas, o que resultou na demissão do gerente.
Quem é o padre Fábio de Melo?
Mineiro de Formiga, Fábio José de Melo Silva, 53 anos, é padre católico, cantor, escritor e apresentador. Integrante da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus (dehonianos), ficou conhecido nacionalmente nos anos 2000 por unir música, fé e comunicação em programas de TV e redes sociais.
Com mais de 20 livros publicados e uma carreira musical com discos de ouro e platina, Fábio de Melo se destacou por um estilo moderno de evangelização, com forte presença digital. No Instagram, soma mais de 26 milhões de seguidores.
Saúde mental
O padre também fala abertamente sobre saúde mental. Em entrevistas e postagens, revelou sofrer de transtornos como depressão e crises de ansiedade, especialmente após a morte da mãe, Ana Maria de Melo, em março de 2021, vítima da covid-19.
Ele tem convivido com os sintomas da depressão. De acordo com Fábio, a doença se manifestou de forma mais forte no dia 24 de dezembro de 2024. A partir daquele momento, segundo ele, até fevereiro, foi alimentado por um desejo de morte.
— O tempo todo eu ficava planejando a minha morte. Eu não dormia. Eu não comia, eu perdi oito quilos — relatou o padre, afirmando que cogitou o suicídio, em entrevista ao Timeline, da Gaúcha.
Ele explicou que não teve um motivo principal para desencadear o quadro depressão, mas sim uma série de situações que foram se acumulando e que ele não teve oportunidade de resolver.
— A mente vai sendo aprisionada, ela vai dando conta, vai dando conta, e de repente ela não quer mais dar conta. Eu acho que foi justamente isso que aconteceu — conta.
Em janeiro, o padre chegou a ficar internado por cerca de nove dias em janeiro, para realizar um tratamento. Além da hospitalização e dos medicamentos — que faz uso até hoje — afirmou que utilizou de músicas, séries e boas conversas para auxiliar em sua melhora, além de atividades físicas e favorecendo hábitos a desintoxicação do cérebro.
Veja o que diz a cafeteria
"A Havanna ville/SC, tem como missão proporcionar momentos acolhedores e especiais a cada pessoa que a por nossa loja. Por isso, recebemos com muita atenção e preocupação o relato de um cliente que se sentiu mal atendido em nossa unidade.
Queremos expressar, em primeiro lugar, nosso pedido sincero de desculpas. Lamentamos profundamente que a experiência vivida tenha ficado aquém do que prezamos e buscamos diariamente. Sabemos o quanto cada cliente é importante e levamos muito a sério qualquer situação que afete a confiança que construímos com todos vocês.
Já estamos apurando os detalhes do ocorrido com responsabilidade e agilidade, informamos também que o colaborador envolvido no ocorrido já não faz mais parte do nosso quadro de funcionários. Mais do que esclarecer, nosso compromisso é agir para corrigir e garantir que esse tipo de situação não volte a acontecer. Estamos redobrando os cuidados com nosso atendimento e reforçando nossos valores junto à equipe.
Agradecemos por cada manifestação, seja de crítica ou apoio, pois são elas que nos impulsionam a crescer. Nossa loja está sempre de portas abertas para ouvir e melhorar".
Veja nota completa do Sitratuh
"A empresa não apurou os fatos de forma adequada e visando minimizar os impactos negativos em sua reputação, optou por culpabilizar injustamente e isoladamente o empregado através da imediata dispensa, em clara reação à viralização do vídeo, conforme noticiado por diversos veículos de comunicação.
Mais grave ainda, a própria demissão tornou-se objeto de divulgação pública, com declarações — supostamente atribuídas à empresa — confirmando que a medida foi motivada pela exposição viral do vídeo.
O empregado foi alvo de um típico “exposed” nas redes sociais, sendo injustamente transformado em alvo de cancelamento virtual, com sua imagem (vídeo de câmeras internas) circulando nacionalmente sem qualquer apuração prévia dos fatos.
Ademais, informações posteriores noticiadas pela imprensa dão conta de que parte do relato divulgado pelo influenciador não condiz com a realidade dos fatos, agravando ainda mais a injustiça cometida contra o empregado, que teve sua imagem profissional manchada sem qualquer chance de defesa.
Tal conduta empresarial configura, em tese, dispensa discriminatória e abusiva, com base na Lei 9.029/1995, ofendendo frontalmente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), da valorização do trabalho (art. 170, CF/88) e da proibição de exposição vexatória do trabalhador (art. 5º, V e X, CF/88).
Diante disso, rechaçamos veementemente qualquer prática de desligamento motivada por pressões externas ou estratégias de marketing que recaiam injustamente sobre o trabalhador, atribuindo-lhe de forma indevida e extremamente gravosa a responsabilidade por situações e atos alheios à sua conduta. A dignidade do trabalho e do trabalhador deve sempre prevalecer sobre interesses circunstanciais ou reputacionais.
Por fim, o Sindicato informa que desde o acontecido já estava com o trabalhador e está acompanhando as providências necessárias e colaborará para reparar os danos do trabalhador. Permaneceremos atentos e atuantes na defesa intransigente dos direitos da categoria".