Não podemos responder por todos os CF do mundo. A maioria não gosta de crianças, no sentido de não querer conviver com elas, não saber lidar com elas, não ter muita paciência com elas. Odiar é uma palavra que traz consigo a necessidade de causar mal e ser CF não tem nada a ver com causar mal a crianças.

Mas há CFs que maltratam crianças!
Há pessoas que dizem amar crianças que as maltratam. O que acontece é que o ser humano é podre mesmo. Em todo cesto há maçãs podres. E por conta de alguns o todo paga. Entre os CF que conhecemos há as pessoas mais contra a violência e maus-tratos contra crianças de todo o nosso convívio. Uma de muitas razões para sermos CF é não colocar um ser indefeso em um mundo tão hostil.

Por que vocês usam termos como ‘parideira’ e ‘catarrento’?
Nós usamos para diferenciar entre boas e más mães e pais. Aquelas mães que dão educação, limites, carinho, uma boa vida para os filhos são mães, pura e simplesmente, já para aquelas que não estão nem aí para os filhos utilizamos esse termo. Parideira também pode designar a mulher que não tem ainda filhos, mas que romantiza maternidade e fica “cagando regra” na vida alheia. Catarrento é para designar o típico filho da “parideira”: aquela criança que você vê suja, que só come salgadinho, sem limites, que fala o que bem entende sem os pais tomarem uma atitude e que volta e meia quando pequeno está com a cara suja – geralmente de, tcharam, catarro. E os homens não “se salvam” da terminologia. Existe homem parideiro também.”

“Adoro crianças, só não quero ter de lidar quando começa o choro”

A advogada de Osasco (SP) Josie Teixeira dos Santos, 40 anos, criadora da página Childfree Brasil, diz que as divisões no movimento fazem com que ela seja atacada e malvista por grupos que considera “duros”. Quando começou a pesquisar o assunto, conta, deparou mais com pregação do ódio a crianças do que desejo de não ter filhos. Contrária ao antinatalismo, queria tirar do movimento a pecha de ojeriza aos pequenos.

— Adoro crianças. Tenho sete sobrinhos e tenho muito carinho por eles. Só não quero ter de lidar quando algum deles começa a chorar desesperadamente. Não quero ser aquela pessoa que tem a obrigação de acalentar esse choro. Mas a minha intenção não é mudar mentalidade de ninguém, é trazer pessoas que já têm a mesma ideia de não ter filho para um acolhimento que não encontramos. Tento me preservar ao máximo de criticar mãe. Se quer ter filho, que tenha. Não me importo com a gravidez de ninguém, não me importo que tenham 30 filhos. Por isso, a minha página é odiada por algumas pessoas do meio childfree — lamenta Josie.

Foi aos 35 anos que a advogada percebeu que não queria prole. Tinha terminado um namoro e sofreu um baque: “Não vou mais ter filhos, por causa da idade!”, pensou. Mas começou a se questionar e percebeu que, na verdade, não tinha vontade de gerar uma criança e que só estava seguindo a corrente.

Para Josie, foi libertador chegar a essa concepção. Ela se tornou mais segura, inclusive nos namoros. A pressão de arranjar um companheiro, de ter que dar certo e de precisar fazer tudo isso em prazo hábil, para poder chegar ao troféu final de produzir um bebê, desapareceu.

— Eu me esforçava para me enquadrar num relacionamento em que eu nem estava feliz, por medo do relógio biológico. Hoje, tenho a paciência de esperar o relacionamento acontecer, as coisas fluírem, porque eu não tenho prazo de validade — relata.

Quando conhece alguém, já no primeiro encontro Josie avisa que não quer crianças. Em geral, a reação é negativa. Os pretendentes ficam chocados, perguntam se ela tem algum trauma de infância, insistem que ela vai mudar de ideia, que vai se arrepender quando ficar velha. Josie perdeu vários relacionamentos. Mas a estratégia deu certo com o homem com quem está saindo. A família, no entanto, não dá apoio. 

— Na cabeça dos parentes mais idosos, sou uma frustrada e encalhada que, quando encontrar alguém, vai querer ter filho. Gostaria muito que entendessem que minha opção não vai mudar. No meu estilo de vida, não tem espaço para uma criança. Gosto de viajar, de ter a casa silenciosa, de ter liberdade de ir e vir sem me preocupar com outra pessoa. Mas não respeitam, não pensam no meu bem-estar. Dizem: “Ah, Josie, quero ver você engravidar, aí vou rir na sua cara”. Fazem piadinhas, do tipo: “Você vai ver, Deus vai te castigar mandando um filho”. Isso é desagradável. Quando uma mulher está grávida você não vira para ela e diz: “Tomara que você aborte”.

Nem todos estão preparados para serem pais, diz terapeuta

A escolha de pessoas como Josie contrasta com a daqueles casais que não conseguem ter filhos, sofrem com isso e chegam a gastar fortunas em técnicas de reprodução assistida para realizar esse sonho. Esse é o público a que a terapeuta e doutora em direito da família Sylvia Nabinger se dedica. Ela trabalhou 35 anos no Juizado da Infância e da Juventude e sempre esteve ligada a questões de adoção e reprodução humana. Para ela, o desejo de ter filhos é algo inerente ao ser humano.

— É uma coisa natural, primitiva e muito forte em todos nós. É uma luta contra a morte, vamos dizer assim. Vou desaparecer, mas meus genes estão salvos no meu filho, que por sua vez vai continuar a linhagem familiar. E não é só uma transmissão genética. É a transmissão das tradições, da cultura, da religiosidade. Tu te prolongas através disso. No caso da adoção, a sensação de continuidade se dá pela educação da criança.

Sylvia foi mãe três vezes e tem seis netos. Diz que nada lhe deu tanta satisfação como ver os próprios filhos cuidando dos filhos deles. Para ela, a paternidade e a maternidade são uma experiência formidável, um enriquecimento da vida, a maior obra que um ser humano pode erigir. Apesar disso, ela tem notado que há muita falta de cuidado. Em São Paulo, tomou conhecimento de escolinhas infantis que ficam abertas das 5h às 22h. Entregam a criança já de banho tomado, jantar consumido e pijama vestido. Os pais só têm o trabalho de colocar na cama. Na manhã seguinte, bem cedo, devolvem o filho com a mesma roupa – inclusive a mesma fralda. Como as famílias não preparam comida, essas escolinhas já vendem alimento pronto para o fim de semana. Na segunda-feira, os pequenos chegam ináveis, porque aram os dias de folga em casa, mexendo em eletrônicos.

— Quem age desse jeito, será que queria ter filhos? Precisa ser uma escolha consciente. Tem de ser para dar amor — afirma Sylvia.

 As outras partes desta reportagem

Parte 1: Não quero ter filhos

Parte 3: O que prega o movimento antinatalista 

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