A família da agente de viagem Leticia Santana, 32 anos, não se conforma com a situação enfrentada pelo pai de 58 anos. Internado desde domingo, está com câncer no estômago e hepatite C. Dormiu duas noites – de domingo para segunda e de segunda para terça– no chão.
Agora ele está em uma maca na sala de emergência e não tem previsão de alta:
– Dá uma tristeza ver meu pai, que trabalhou a vida inteira, nessa situação. Ficamos furiosos e ele reclamou muito, queria ir embora, fugir dali porque não via nem dia, nem noite. Estava agoniado. Meu pai já foi internado no Conceição várias vezes e isso nunca aconteceu – lamenta Leticia.
"Pacientes preferem ficar deitados do que sentados"
O gerente de pacientes externos do Hospital Conceição, Alexandre Bessil, assume que a situação ocorre quando a emergência tem mais de 80 pacientes. Na noite de domingo, o local atendia 94 pessoas. Ele ressaltou que a situação ocorre restritamente à noite, nunca durante o dia, quando os pacientes permanecem em cadeiras conjugadas. Segundo ele, não há colchões para os pacientes justamente porque não é uma prática acomodá-los no chão.
– Orientamos a enfermagem que isso não deve ocorrer. Mas, se isso acontece, é porque os pacientes preferem ficar deitados do que sentados.
Segundo ele, situações como esta mostram a distorção do uso da Emergência, que deveria ser apenas uma agem:
– Os pacientes deveriam ficar ali no máximo 24 horas (no Conceição ficam, em média, 2,2 dias), mas as pessoas ficam internadas na emergência porque faltam leitos de internação.
De acordo com Alexandre, é comum o número de pacientes chegar a 94 – na tarde de quinta-feira, eram 89. Quando o número chega a 100, o atendimento fica – só entram pacientes com casos graves.
Risco iminente de contaminação, apontam presidente do Simers
Além do desgaste físico, os pacientes acomodados no chão do hospital estão à mercê de uma série de doenças, para além das patologias já em tratamento.
– O piso do hospital é um local contaminado por excelência, poucos locais são tão contaminados como piso de hospital. Quem está no hospital já está mais sensível a adquirir qualquer infecção. Para uma pessoa sadia, dormir no piso frio já é risco de doenças, imagina para um doente. Há todo tipo de motivo para não permitir que qualquer pessoa fique nesta situação – explica presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo Argollo.
No caso dos pacientes, que já estão com sistema imunológico fragilizado, há, segundo Paulo, riscos de pneumonia e infecções como tuberculose. Na avaliação dele, a situação da emergência do Conceição fere os direitos humanos e à saúde:
– É um método de tortura impedir uma pessoa de deitar-se para dormir e é igualmente inissível colocar uma pessoa para dormir no piso frio. É um crime contra a humanidade.
O dirigente pede que o Ministério Público intervenha em defesa do interesse da população e promete entrar com ação judicial pedindo providências, caso o problema não seja resolvido imediatamente. Na quinta-feira, o Conceição apresentou ao MP um Plano de Ação para Adequação do Fluxo de Pacientes na Emergência adotado desde o início deste ano. O objetivo é reduzir a média de dias de internação do hospital, melhorar o fluxo dentro do bloco cirúrgico e agilizar exames.
Profissionais do Conceição compartilham da mesma opinião. Funcionário que prefere não se identificar classifica como "indignidade absoluta pacientes dormirem sobre cobertores no chão, muitas vezes com soro pendurado, sem falar no risco real de infecção hospitalar".
Situação das emergências da Capital
Dos cinco hospitais com atendimento via SUS na Capital, todos estavam operando com a emergência acima da capacidade. Os números referem-se à tarde desta quinta-feira.
Hospital Conceição
Leitos: 64
Em atendimento: 89
Hospital de Clínicas
Leitos: 41
Em atendimento: 91
Hospital da Restinga e Extremo Sul
Leitos: 18
Em atendimento: 21
Hospital São Lucas da Puc-RS
Leitos: 15
Em atendimento: 29
Santa Casa
Leitos: 24
Em atendimento: 29