
Principal assunto na parada de ônibus, na fila do supermercado e entre os vizinhos, o calor registrado neste verão em Caxias do Sul tem feito parte da rotina do caxiense como poucas vezes se viu antes. As altas temperaturas e a sensação de abafamento, que começa pela manhã, se estende à tarde e perdura até a madrugada, fica ainda mais evidente nos registros oficiais do clima.
Levantamento feito pelo Pioneiro a partir de dados históricos do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostra que a temperatura mais alta nos últimos anos foi registrada no sábado (22), quando os termômetros da estação meteorológica do órgão localizada no Aeroporto Hugo Cantergiani registraram 36ºC — mesma temperatura no dia 2 de janeiro deste ano. Segundo o Inmet, não há registro de temperatura acima dos 36º em Caxias do Sul desde 2008.
Neste ano, além das máximas, a sequência de dias quentes e abafados chamam a atenção. No último domingo (23), outra temperatura recorde foi registrada: 35.4ºC. Na segunda (24), dados extraoficiais indicaram máxima de 34ºC e a previsão é que se mantenha nesta terça (25) e quarta (25). Desde o início de janeiro, ainda conforme o Inmet, foram 14 dias com a temperatura máxima acima dos 30ºC. Para se ter uma ideia, no mesmo período de 2021, por exemplo, foram apenas quatro dias de temperaturas acima dos 30ºC. O recorde naquele período foi registrado nos dias 10 e 11/01 quando os termômetros marcaram 32.4ºC.
As altas temperaturas não são uma exceção local. Desde o início do ano, todo o Rio Grande do Sul tem enfrentado o calor e a sensação de abafamento que duram vários dias. Em municípios da Fronteira e em Porto Alegre, por exemplo, os termômetros já aram dos 40ºC.
De acordo com Carine Gama, meteorologista da Climatempo, esse calor recorde ocorre devido a uma área de alta pressão atmosférica que está atuando sobre o Rio Grande do Sul, favorecendo o predomínio de uma massa de ar seco e quente em todas as regiões. A área de alta pressão inibe a formação de nebulosidade e, consequentemente, eleva as temperaturas e deixa baixa a umidade do ar.
– Um bloqueio atmosférico no Oceano Pacífico impede a agem de frentes frias mais continentais. Além disso, estamos no período do La Niña, que provoca chuva abaixo da média no Sul. No verão, com máxima incidência solar, temperaturas mais altas e ausência de nebulosidade e chuva, há muita radiação solar, que provoca mais calor – explica Carine.
A reportagem circulou nesta segunda (24) para saber como fazem os trabalhadores que precisam estar nas ruas mesmo diante do sol forte em Caxias.

“É um calor igual ao do Mato Grosso”, relata profissional da Codeca que trabalha em obra na Perimetral
Se a sombra pode fazer companhia para alguns trabalhadores que enfrentam o calor nas ruas de Caxias do Sul, ela não se faz presente para um grupo de servidores da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca) que está executando uma obra de trânsito na Avenida Rubem Bento Alves, na Perimetral Norte. Desde a última terça-feira (18), a empresa realiza a implantação de uma terceira faixa de trânsito para quem quiser converter à direita na Rua Ludovico Cavinato e seguir em direção aos pavilhões da Festa da Uva.
Atualmente, as equipes realizam a retirada do solo para, posteriormente, fazer serviços de drenagem, preparação do terreno e aplicar camada asfáltica. Ou seja, trabalham bem próximas do asfalto, sem pontos com sombra. Para se proteger do calor, muita água, protetor solar e chapéu, segundo o auxiliar de infraestrutura, Dilceu Sgardi, 64 anos e 18 deles atuando na empresa. Outro fator que traz mais calor, segundo ele, é a máscara, um equipamento obrigatório para quem está na rua.
— A gente a protetor quatro vezes ao dia e toma muita água. Carregamos duas garrafas térmicas, de cinco litros cada uma, e tomamos tudo em um turno. Na hora do almoço, renovamos porque tem nos ajudado a enfrentar esse calorão. A máscara é importante, mas ajuda a abafar mais — relata ele, que encara um turno de oito horas por dia atuando no local.
Segundo ele, e confirmado pelos dados oficiais do Inmet, a última quinta-feira (20) foi o dia mais abafado na cidade. Calor forte e a ausência de evento fez com que Sgardi relembrasse o ado. Ele morou por 14 anos nos estados do Mato Grosso e em Rondônia, regiões conhecidas pelo calor forte. Porém, Caxias não ficou para trás.
— Na semana ada (em Caxias) era um calor igual ao do Mato Grosso. Nunca tinha visto. A sensação é de queimação, muito parecido com lá, que, quando tinha vento, era quente — compara ele, que estava organizando o canteiro de obras e implantando a sinalização no local.
Para o líder de obras Luiz Pedro Ludwig, 68, o calor deixa marcas na pele. Por isso, mesmo com temperaturas acima dos 30ºC, ele não dispensa usar uma camiseta de manga longa para evitar a exposição dos braços ao sol. Também reforça o protetor solar e usa um capacete de obras, que acaba também protegendo a cabeça.
— Se eu ficar muito tempo no sol, fica um vermelhão na pele. Prefiro usar uma manga mais longa, mesmo com o calor, para proteger — explica.

Sol forte tira clientes do sorveteiro no Parque dos Macaquinhos
Uma das alternativas para amenizar o calor para quem está na rua é se deliciar com um picolé. Porém, nem sempre se torna atrativo quando o público deixa de frequentar um espaço ao ar livre para se proteger do calor.
Vendedor do sorvete há quatro anos no Parque dos Macaquinhos, Joaquim de Melo, 64, vai para o local quando o sol forte reina no céu. É nesse momento, segundo ele, que os clientes estão mais dispostos a pará-lo para conferir no carrinho qual será o sabor do picolé que vai ajudar a driblar as altas temperaturas.
— Se tem sol, estou na rua. Quando começa a escurecer, que parece que vai chover, como é típico aqui em Caxias, o pessoal vai embora do parque e eu também porque vai ficar mais difícil vender — relata.
Para driblar o calor, ele caminha pelo local com uma garrafa de água no carrinho. Também usa boné e a protetor solar. Em dias muito quentes, Melo procura ficar posicionado em locais com sombra, principalmente próximo ao parque infantil. Porém, ele conta que se preocupa caso não seja visto pelos clientes quando está na sombra e, por isso, não se importa muitas vezes de ficar sob o sol forte.
Melo conta também que não se lembra de dias tão quentes como os registrados nos últimos dias em Caxias do Sul. Neste final de semana, notou que o público no Parque dos Macaquinhos visitou o local mais próximo do fim do dia, quando o sol estava se pondo.
— Com esse calor que está fazendo, ninguém quer sair de casa e pegar sol aqui. Nem as quadras estavam ocupadas e estava um pouco deserto. Não vendi quase nada — lamenta ele, que comercializa o doce entre R$ 2,50 e R$ 3,50.

Vendedores de água contam o segredo para amenizar o calor
Quem saiu de casa e esqueceu de carregar uma garrafa de água e quer matar a sede para amenizar o calor na rua pode ter a sorte de encontrar o casal Vitória Lorandi, 29, e Flávio de Moura, 25. Bem humorados e sem dispensar chapéu de praia, protetor solar e um guarda-sol, os dois vendem água gelada em um semáforo na BR-116, próximo ao cruzamento com a Avenida Ruben Bento Alves. Em dias de forte calor, como os registrados neste mês, eles chegam a vender entre 80 e 100 garrafas de água com ou sem gás ao custo de R$ 2. Eles contam que chegam a ficar nas sinaleiras, em média, por quatro horas por dia.
Vitória conta que começou a trabalhar vendendo água no verão ado. Ela é palhaça e trabalha com animação em festas infantis, um dos setores mais prejudicados pela pandemia e que engatinha nesta retomada. Para ter fonte de renda, percebeu que a água era um produto de fácil armazenamento, com boa aceitação do público com sede e foi para as ruas no verão ado.
— Precisei vencer a vergonha, o medo de me expor na rua e me jogar nesse trabalho. Foi uma grata surpresa porque existe uma demanda muito grande. Uma das primeiras coisas que acontece em dias quentes é ter sede e nós aparecemos com a solução — relata ela.
Disposta a conversar com os clientes, ela também tem feito contatos nas ruas. Conseguiu deixar um cartão de visitas para motoristas que a reconheceram e teve três oportunidades de trabalho no final do ano ado. Além de estarem visivelmente uniformizados, Vitória e Moura chamam a atenção pelo guarda-sol instalado e pelas placas instaladas ao longo do canteiro central da rodovia que contribuem para o motorista se preparar antes de parar o carro no sinal vermelho.
Para eles, só existe um segredo para amenizar o calor na rua.
— Bebendo bastante água gelada (risos). Ao mesmo tempo que vendemos, também temos as nossas garrafas aqui. Não tem outro jeito. É uma questão de saúde, de se hidratar e ar do jeito que dá — garante Vitória.
A venda ocorre até mesmo no período do inverno, onde também há picos de calor, segundo o casal.
Trabalho no parreiral também exige atenção
Quem circula pelo interior de Caxias do Sul nessa época do ano começa a sentir o cheiro de uva no ar. Com os cachos prontos para serem colhidos, os produtores da fruta começam a se movimentar embaixo dos parreirais verdes e carregados de uva.

Na propriedade de Daniel Debastian, 42, a colheita da fruta começou na semana ada. O trabalho envolve ainda outros oito ajudantes contratados de forma temporária para auxiliar na vindima. Mesmo que o trabalho embaixo dos parreirais seja na sombra, o calor deixa o local mais abafado, com o vento circulando menos.
— A gente sempre carrega uma água, mas nada muito além disso. Estamos acostumados a lidar com o calor, o trabalho na colônia é assim— resume.
O clima não tem sido um bom aliado para quem vive da fruta. Com uma estiagem severa, devido à falta de chuvas na região, os produtores começam a colheita estimando as perdas. Na propriedade de Debastian, a estimativa é que 200 mil quilos de uva sejam perdidos. As 350 toneladas que forem colhidas serão entregues para supermercados e também para a produção de vinho da família, localizada na Linha 40.
Se a presença do sol prejudica nessa época do ano, a chuva também deixou marcas no ado.
— O clima tem interferido cada vez mais. Em setembro, quando choveu muito, prejudicou a floração. Agora, com a falta de chuva, a uva murchou — revela.
Calorão na Serra deve dar lugar a uma frente fria
Essa onda de calor está com os dias contados. O calor intenso deve dar trégua entre a quarta (26) e quinta-feira (27), mas não sem antes ar dos 34°C.
Nesta terça (25) e quarta-feira (26), a previsão é de que as temperaturas máximas cheguem aos 34°C em Caxias do Sul. De acordo com Carine Gama, meteorologista da Climatempo, os três primeiros dias desta semana serão de calor intenso e também de pancadas de chuva no final do dia.
Na quarta-feira, com a aproximação de uma frente fria, o risco para temporal aumenta no final do dia. Há previsão para chuva volumosa. Mas o dia ainda segue quente. Na quinta, esse cenário muda por causa da entrada da frente fria no Estado que rompe o bloqueio atmosférico que causa a onda de calor.
— Essas chuvas de segunda e terça podem vir acompanhadas de trovoadas ou rajadas de vento, mas a sensação de tempo abafado permanece. Já na quarta e quinta, o índice de tempestade estará alto. Vem com intensidade forte e previsão de granizo na quarta e chuva com grande volume na quinta — explica Carine.
Carine alerta para o risco de temporal, com condições para raios e intensas rajadas de vento. Além disso, o destaque é que a temperatura já começa a diminuir. Mesmo sem expectativa de frio, a diferença será bastante expressiva em relação aos últimos dias. Na quinta, a temperatura máxima não deve ar dos 29°C.
— Na quinta, a frente fria avança pelo estado e a chuva pode começar pela manhã com acumulados de 20 a 30mm e com previsão de queda de até 10°C na temperatura — detalha a meteorologista.