
Quem disse que em briga de marido e mulher não se mete a colher? Sabe-se que interferir na vida pessoal de terceiros pode ser uma atitude constrangedora, mas em casos de violência doméstica, a vida de uma mulher corre risco. Por isso, em Caxias do Sul, um curso de capacitação faz com que o ditado popular fique a cada dia mais ultraado. Para ajudar as mulheres a romperem o silêncio diante de agressões e abusos, a Coordenadoria da Mulher, que integra a Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social, promove, desde junho, a Formação de líderes comunitários - conscientização no combate à violência contra a mulher.
Em quatro edições, a ação já formou 39 lideranças dos bairros, sendo 24 mulheres, que receberam informações para interferir em casos de violência. A iniciativa já era uma ideia da Coordenadoria da Mulher desde 2019 e neste ano saiu do papel com auxílio do setor de Relações Comunitárias da prefeitura.
Informar para ajudar

As mulheres e os homens que participaram do curso receberam informações sobre como agir em casos de violência e instruções sobre legislação, redes de apoio e sobre a melhor maneira de abordar as vítimas:
— Sempre foi uma necessidade falarmos sobre violência doméstica com quem está "na ponta", no bairro. Nem sempre as vítimas estão prontas para denunciar, para ir até os órgãos públicos e autoridades policiais. Algumas vezes, conversar com um vizinho, uma comadre, alguém do bairro é mais confortável para elas. Por isso, é tão importante que essas informações se difundam cada vez mais — explica a titular da Coordenadoria da Mulher, a advogada Tamyris Padilha.
Para ela, a capacitação é uma ferramenta para romper o ciclo de violência, uma vez que todos percebem que tem como ajudar:
— Se qualificando, se informando, conhecendo o assunto, todos podem ajudar. Temos a ideia de que é simples e de que sabemos como agir quando alguém necessita de ajuda, porém, por meio destes treinamentos nós percebemos que nem sempre isso é verdade. Por isso, difundir os telefones úteis, os mecanismos da Lei Maria da Penha, os tipos de violência e os serviços do município que são voltados para as vítimas é essencial. Tudo isso contribui para romper os ciclos de violência doméstica.
De janeiro até junho deste ano, em Caxias, 929 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência. Destas, duas foram assassinadas por homens com quem se relacionavam, 25 foram estupradas, 294 foram agredidas e sofreram algum tipo de lesão corporal e 608 registraram ocorrência para denunciar ameaças praticadas por namorados, ex-companheiros, maridos pais, irmãos ou filhos.
E o cenário pode ser ainda pior na cidade, já que inúmeros casos não chegam ao conhecimento das autoridades e dos órgãos de proteção. Nem todas as mulheres registram ocorrência e, com a pandemia, segundo observado por Tamyris e pela equipe da Coordenadoria, o agressor fica mais tempo em casa, o que inibe a vítima na hora de buscar ajuda. Com a capacitação, as lideranças aprenderam como abordar a questão e contam com argumentos e informações para deixar as mulheres com quem convivem mais seguras.
"Em briga de marido e mulher, a gente mete a colher e salva a mulher", diz presidente do Reolon

A presidente do bairro Reolon, Sane Fiuza, 42 anos, é manicure e designer. Moradora do Reolon desde 1993, ela já fez parte de quatro gestões como membro da diretoria da Amob e desde 2017 é presidente do bairro. Sane atua no movimento comunitário há anos, desde a juventude quando participava do grupo de jovens .
Ela deixa claro a opinião sobre como agir em casos de violência:
— Em briga de marido e mulher a gente mete a colher e salva a mulher. Não podemos nos calar, temos que ajudar quem a por essas situações. É bom que elas saibam que podem buscar as lideranças dos bairros para conversar e buscar ajuda. Sabemos que é preciso confiança para que elas se abram. As mulheres devem se sentir amparadas, fortalecidas, saber que não estão só porque temem deixar o agressor pela questão do sustento.
Não são apenas mulheres que participam do curso de formação promovido pela Coordenadoria, o que também é visto com bons olhos por Sane:
— É essencial que as lideranças masculinas também saibam como ajudar.
Discrição ao agir é fundamental, segundo a presidente de Galópolis

A presidente do bairro de Galópolis, Maria Patrício Pinto, 58, é esteticista. No bairro em que vive há 33 anos, ela é chamada de Mara. Logo que foi morar lá, como as filhas eram pequenas, não se envolvia muito no movimento popular, mas depois começou a lutar pelas demandas da comunidade. Hoje, representa há 12 anos cerca de 2,5 mil pessoas. Para ela, é preciso discrição ao agir em casos de violência:
— Aprendi que em briga de marido e mulher se mete a colher de uma maneira discreta para não invadir a privacidade dela e para que ela se sinta segura. A vítima precisa entender que terá todo o sigilo necessário para denunciar os abusos. A situação é delicada — acredita.
A presidente já se articulou para rear o conhecimento sobre o o às leis, como buscar ajuda e também encaminhou a cartilha com o conteúdo do curso para os moradores do bairro. Para ela, é essencial que as mulheres saibam que têm com quem contar.
— Elas têm que saber que tem uma rede de apoio para buscar essa saída. A violência não é só o tapa, há ofensas que machucam também — lembra.
"Sempre dei um jeito de intervir, mas agora estou mais preparada", conta presidente que participou de curso

A presidente do Loteamento Morada do Sol, Claudete Patel Porto, 68, vive na região do Desvio Rizzo desde 1993. Há dez anos, atua no Clube de Mães, onde se dedicam a fazer cobertas e roupinhas para crianças e atendem quem vive em vulnerabilidade social. Ela trabalhou por 30 anos no setor istrativo da Unimed. Aposentada, hoje está à frente da Amob e se dedica ainda mais a lutar pela comunidade.
Ela conta que já chegou a interferir em alguns casos em que percebeu que houve abusos e agressões. No entanto, diz que a capacitação esclareceu dúvidas e trouxe conhecimentos que vão ser usados para ajudar ainda mais as mulheres em situação de violência:
— Se percebo uma situação, vou me cercando de informações para entender o que está acontecendo e como ajudar. Sempre aconselhei, mas agora estou mais preparada para abordar a questão: com cuidado, com jeitinho. A capacitação abriu muitos horizontes, muita coisa que não sabia ficou mais clara. A informação é uma ferramenta importante para reduzir números e salvar vidas.
"Aprendi como tomar a iniciativa porque antes não me metia", afirma presidente do Vila Ipê

A presidente do bairro Vila Ipê, Zita Girardi, 62, é aposentada, e hoje se dedica a representar os moradores do bairro em que vive há 30 anos. Apesar de estar no primeiro mandato à frente da Amob, ela já era considerada uma liderança antes mesmo de ser eleita, há quatro anos. Zita, que também integra o Conselho Municipal da Saúde, conta que, ao longo dos anos, soube de casos de violência e, por não saber como ajudar, não interferia. Depois do curso, diz que se sente preparada para tomar a iniciativa e conversar com as mulheres.
— Aprendi muito com a capacitação. Antes não me metia e agora percebo que posso ser esse porto seguro para a vítima. É bom que elas saibam que podem contar com as lideranças dos bairros e que terão sigilo. Antes eu tinha receio porque os homens reagem, mas aprendemos que não podemos nos omitir, nos calar — afirma.
A Formação de líderes comunitários - conscientização no combate à violência contra a mulher ocorre novamente em setembro.
ONDE BUSCAR AJUDA
:: Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (54) 3220-9280
:: Patrulha Maria da Penha: (54) 98423-2154 (o número está disponível para ligações e mensagens de WhatsApp)
:: Central de Atendimento à Mulher: telefone 180
:: Coordenadoria da Mulher: (54) 3218-6026
:: Centro de Referência daMulher: (54) 3218-6112
:: Sala das Margaridas: atende na Central de Polícia, onde funciona a Delegacia de Pronto-Atendimento, na Rua Irmão Miguel Dario, 1.061, bairro Jardim América. O atendimento especializado funciona 24 horas.