A situação de 215 trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves em condições de trabalho análogas à escravidão remete a outros episódios recentes ocorridos na região que provocaram uma crise de imagem para a Serra, que sempre se orgulhou do bem receber, comer e beber. Em 2021, uma operação que encontrou carne de cavalo em hambúrgueres já tinha sido um baque muito grande para a reputação da gastronomia local. O que estes dois casos têm em comum além de envolver o ramo de alimentação e bebidas? Eles envolvem a terceirização de serviços.
No caso dos safristas da uva, vinícolas e produtores rurais contratavam uma empresa para mão de obra vinda da Bahia para a colheita. No esquema da carne de cavalo, quase uma tonelada de alimento impróprio para o consumo era produzida por semana e vendida para mercados, restaurantes e hamburguerias da Serra.
Situações como essa mostram que a falta de mão de obra não é um problema exclusivo de um setor e nem de uma determinada região, mas a repetição de casos coloca a Serra ainda mais em evidência. Consultora fundadora e CEO da Makemake, a casa da Reputação, Tatiana Maia Lins destaca que a prevenção vai ser sempre a melhor forma de gerenciar uma crise. No entanto, quando isso não ocorre, há alguns caminhos que podem ser seguidos:
_ Tem que aproveitar essas crises como oportunidade de mudança na governança. É preciso ver onde estão as falhas internas e mudar processos para não criar problemas futuros. Tem que ter gestão de risco e essa questão do trabalho escravo sempre foi um problema causador de danos de imagem _ explica a também co-autora do livro Reputação e Valor Compartilhado.
No caso específico da terceirização, a especialista destaca que o primeiro alerta é o preço muito baixo.
_ Ele não é necessariamente um problema, mas é um indicativo para verificar ainda mais se a contratada cumpre com todas as normais e leis. Não é apenas um contrato, um código de ética e fingir que está tudo bem.
Como consultora, Tatiana conta que já acompanhou empresas que enfrentaram situação semelhantes. Em geral, após cumprir todas as punições legais, elas fazem ações, como revisões de contratos, treinamento para qualificação de mão de obra, entre outros movimentos traçados em um plano de recuperação pós-crise.
Situação exige ações conjuntas
Para o caso específico da Serra, Rosângela Florczak, professora universitária da PUC-RS e consultora em Gestão de Reputação, recomenda que as ações para evitar uma crise de imagem ainda maior para a região precisam ser feitas de forma conjunta, inclusive envolvendo o poder público. Mas a especialista destaca que o exemplo de como a iniciativa privada lida com situações como essa pode ser copiado, inclusive com a elaboração de um plano pós-crise.
_ A região fica estigmatizada, até porque há pouco tempo teve outro caso de uma idosa encontrada em um hotel em Garibadldi em trabalho análogo à escravidão. E a rede social faz esse rotular, essa simplicação das situações de forma muita rápida. As crises costumam transbordar, não impactam na organização diretamente envolvida, acabam criando estigmas que rotulam toda uma região e que desfavorece seus negócios _ exemplifica.
Por isso, ela defende a necessidade da Serra fazer um contraponto capaz de mostrar que são casos pontuais, colocando em evidência as práticas cuidadosas que se tem com as pessoas e outras ações que evitem consolidar uma imagem negativa da região.