Deyse Selau de Cândido estuda Eletrotécnica no Colégio Parobé. Após casar e ter filhos, ela decidiu voltar a estudar.

Cursando o segundo semestre de Eletrotécnica, Deyse Selau de Cândido, 37 anos, participou do sorteio das vagas no Parobé três vezes seguidas, até ar. O ingresso na instituição faz parte de um processo de resgate dos cuidados com ela mesma.

— Minha vida aconteceu ao contrário. Primeiro, eu casei e fiz filhos. Agora, depois disso, ei a cuidar mais de mim. Como eles (os filhos) já são grandes e mais independentes, eu parti em busca de conhecimento e qualificação profissional. Esse ramo de obras sempre me chamou a atenção, porque o meu pai tem uma empreiteira — ressalta Deyse, que considera o leque de opções, para técnicos na área, muito amplo.

Antes de ingressar no Parobé, a estudante trabalhava fazendo pintura e manutenção em obras. Agora, com a demanda dos estudos, ficou mais difícil de conciliar, e ela tem feito apenas faxinais semanais. Apesar do esforço e da mudança de rotina, considera que vale a pena e quer ir além: depois, pretende cursar mais um técnico, para trabalhar na Braskem.

— Mesmo com os meus familiares tendo uma empresa, eu quero trabalhar na Braskem. Quero fazer técnico em Petroquímica, Química, alguma área que me permita isso — analisa, acrescentando que ainda tem o plano de fazer graduação em alguma Engenharia do setor elétrico. 

O colégio oferece, ainda, cursos subsequentes de Edificações, Estradas e Mecânica. Em Edificações, o professor Marco Rogoski salienta que existe um mercado em ascensão, e que há poucos cursos técnicos na área.

— O engenheiro, hoje, não consegue ficar presente em todas as obras. Então, você tem um engenheiro para cinco, seis obras, e dois, três técnicos em edificações por obra. Mudou muito essa formatação, e acho que vai mudar mais. O profissional de nível técnico tem ganhado tentáculos, digamos assim, e recebido responsabilidades que não tinha — observa Rogoski.

Após receber o diploma de técnico, é comum, de acordo com o docente, o profissional ser alçado a cargos superiores na hierarquia, como supervisor, por exemplo. 

Os números da rede profissionalizante gaúcha

Mateus Bruxel / Agencia RBS
RS registrou, em 2023, exatos 133.850 estudantes em cursos técnicos.

Somadas as redes federal, estadual, municipais e privadas, o Estado registrou, em 2023, exatos 133.850 estudantes em cursos técnicos. O objetivo no Plano Nacional de Educação era de que se chegasse a 315.891 matriculados até 2024, o que demandaria a criação de mais do que o dobro de vagas em um ano, o que não ocorrerá.

A rede estadual de escolas técnicas conta hoje com 157 instituições de ensino, que oferecem 63 cursos para 28.635 alunos. Até 2027, a expectativa é dobrar o número de vagas, chegando a 57.593, e ampliar o território coberto, que é de 22%, para 50% das regiões do RS até 2026. No Plano Decenal da Educação Profissional e Tecnológica do Rio Grande do Sul, consta que a quantidade de matrículas em escolas estaduais alcance 115.917 até 2032.

A diversificação regional ocorrerá, por exemplo, em regiões de fronteira com Argentina e Uruguai, em municípios como Itaqui, Uruguaiana e Alegrete, onde hoje não há oferta de EPT, segundo a superintendente da Educação Profissional do RS, Tamires Fakih.

— A ideia é chegar a esses municípios e ir aumentando a oferta, porque os dados revelam que a EPT faz a diferença: aumenta as chances de empregabilidade e oferece melhores salários e maior aprendizagem — descreve Tamires, acrescentando que, para o ano que vem, o Estado pretende criar cursos técnicos articulados com a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A superintendente afirma que é preciso romper paradigmas, pois ainda é forte a visão de que os cursos técnicos seriam voltados para pessoas economicamente vulneráveis e que estariam aquém da qualidade do Ensino Superior:

— Quando você vai às nossas escolas técnicas, não é isso o que você vê. No Ensino Técnico Agrícola, por exemplo, os estudantes vivenciam a prática em meio a aulas teóricas, com o apoio de universidades do entorno e de órgãos como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Além disso, ele não compete com o curso superior: é uma continuidade dos estudos. 

Nesse contexto, outro desafio é convencer as instituições de Ensino Superior a aceitar créditos cursados na EPT depois, quando o aluno decide fazer uma graduação, o que facilitaria o desenvolvimento contínuo.

— Ainda há resistência das universidades e da sociedade em ver que a EPT é um espaço de desenvolvimento, inovação e tecnologia — lamenta a gestora.

Outra demanda é criar cursos técnicos aderentes às novas economias, como a indústria criativa e a digital, que demandam estruturas robustas de laboratórios e contratações de profissionais especializados. Em parte, o problema tem sido enfrentado com parcerias com o Sistema S, que também possui cursos técnicos, e universidades comunitárias, além das Secretarias Estaduais do Trabalho e da Cultura, que promovem cursos de livre duração para a comunidade. Para o futuro, um curso técnico em Energias Renováveis terá o apoio do Sindienergia-RS, sindicato patronal do setor.

Tamires percebe que o interesse do jovem por ingressar em um curso técnico é maior quando familiares seus já frequentaram aulas nessa modalidade. Em camadas mais baixas, há menos estímulo, e, por isso, a Superintendência da Educação Profissional do Estado (Suepro) tem investido em divulgar a oferta em espaços públicos onde os estudantes circulam.

O órgão da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) também lançou, neste ano, o programa Partiu Futuro, que procura aproximar os alunos do mundo do trabalho. Em 2024, cerca de 2 mil matriculados em sete escolas participarão de um piloto, no qual, a partir do segundo ano do Ensino Médio, poderão ser contratados por empresas através de sua instituição de ensino.

A contratação de professores capacitados também é um entrave que o Ministério da Educação (MEC) tem procurado resolver. Com o aumento de vagas para alunos, será preciso contratar mais docentes para atender a demanda.

— No fim das contas, um engenheiro bem formado, que poderia dar aula em uma escola técnica, é disputado pelo mesmo mercado das empresas. Como atrair esse profissional para a educação? Primeiro, as carreiras em educação têm que melhorar, o que se encaminha por meio de políticas estruturantes e a aproximação com o empresariado, que o ministro está buscando — afirmou Getulio Marques Ferreira, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, durante evento realizado em setembro pelo Itaú Educação e Trabalho em São Paulo. 

Até 2026, o plano da pasta é ampliar dos 680 campi de institutos federais para 1 mil. 

Com isso, o objetivo é que cada unidade atenda cerca de cinco ou seis dos 5.568 municípios brasileiros. A princípio, a ampliação se daria por meio do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), mas, até o momento, o valor era considerado por Ferreira insuficiente para completar o número desejado.

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