— Você acha que é fácil arrumar esse cabelo? — questiona a atriz Suzana Pires, tentando acomodar os fios curtinhos, em corte pixie —. Amor, esquece, isso aqui é pior do que um cabelo grande!
O cabelo baixinho é o que cresceu depois de raspar a cabeça para o filme Câncer com Ascendente em Virgem, em cartaz nos cinemas brasileiros. A carioca de 48 anos é a protagonista do longa inspirado na história real de Clélia Bessa, diagnosticada com câncer de mama em 2008 e que relatou toda a sua jornada com bom humor e franqueza em um blog — que mais tarde se tornaria o livro Estou com Câncer, e Daí? (Editora Cobogó, 2025).
— Cada personagem entra na sua vida para te ensinar uma coisa e nesse filme entendi que a vida é agora. Quando se está com esse diagnóstico, vem pensamentos como "espera aí, não posso deixar de falar que amo essa pessoa", "não posso deixar de fazer tal coisa por mim" — afirma Suzana, que também assina o roteiro do filme em parceria com Martha Mendonça, Pedro Renato, Ana Michelle, Elisa Bessa e Rosane Svartman.
Quem vai estar nessa rede para nos sentirmos menos esgotadas, oprimidas e sozinhas? Você tem que trabalhar em si mesma, e isso é difícil. Primeiro, é preciso reconhecer suas vulnerabilidades, não apenas a sua força. Só depois é possível aplacar essas dores.
É preciso aceitar a vulnerabilidade?
A gente só se fortalece conhecendo, primeiro, a nossa vulnerabilidade. O engraçado é que o nome “Dona de Si” pode dar a impressão de que a primeira aula será “Vamos lá, mulher, coloque um salto alto!”, quando, na verdade, a pergunta é: “Como está a sua saúde? Você fez exame de sangue?”. Porque, se a gente está com um probleminha hormonal, nada vai funcionar direito.
Se estamos em depressão, há um fator químico envolvido, e nada vai dar certo. Existe também um contexto cultural que nos leva a nos sentir assim. O que o instituto faz de diferente é trazer a mensagem de que você não está louca, não é histérica — você tem talento e pode monetizá-lo.
Você mencionou as dores da solidão, opressão e esgotamento. Já as sentiu na sua carreira?
O tempo inteiro. Uma atriz cujo carro-chefe é a comédia, considerada gostosona para os padrões brasileiros, que apareceu pelada na televisão em Gabriela (minissérie de 2012)... Imagina! Havia várias coisas que me colocavam em um quadradinho onde eu não poderia ser autora de novela, não poderia ser uma mulher formada em Filosofia — como se essas coisas não pudessem coexistir.
Sempre senti isso, e era uma dor grande, porque pensava: “Será que tenho que deixar de ter um corpo para ter inteligência? Tenho que me fantasiar de quê para acharem que tenho valor?”. Não faz sentido, porque é essa energia que me faz ser boa no meu trabalho.
Você fez cursos de roteiro por anos nos EUA antes de se mudar. Foi difícil se colocar no mercado lá?
A Avalon Studios chegou ao meu nome ainda no Brasil e atendi ao que eles queriam. Eu tinha saído da Globo em março, e essa oportunidade chegou em setembro. Nos EUA, fui emendando um trabalho no outro. Também dei 10 os para trás: voltei para um lugar onde estava há 20 anos e virei colaboradora de novo, o que achei o máximo, pois assim não precisava decidir nada (risos).
Em três anos, já ocupo o mesmo lugar que ocupava no Brasil. Você adquire experiência e, em algum momento, precisa se promover. Não vou ficar lá sozinha; vou levar outras mulheres para as salas de roteiro, porque já entendi o que podemos colocar na mesa.
Como foi a experiência com Câncer Com Ascendente em Virgem?
Foram três anos dedicados ao roteiro, no qual também participou AnaMi (Ana Michelle Soares), uma paciente oncológica que criou a Casa Paliativa, em São Paulo, e que faleceu no meio desse trabalho. Ela trouxe o entendimento de que, quando você recebe um diagnóstico como esse, a morte se senta na sala — e pode ser que ela aconteça.
Receber um diagnóstico de câncer muda completamente a perspectiva sobre a vida no presente. AnaMi trouxe muito essa visão, pois sua maior preocupação era como se está vivendo, e não como se vai morrer — e isso foi fundamental para o filme.
Além disso, meu pai estava enfrentando um câncer na época, então a quimioterapia, o oncologista, a dieta e a família desgovernada com o diagnóstico já faziam parte da minha vida. Trouxe várias dessas experiências para a personagem de Fabiana Karla, que é hilária e emocionante.
A nossa humanidade latina é o futuro da narrativa. Nossa maneira de olhar o mundo é sulear, o humano e as emoções vêm primeiro.
SUZANA PIRES
Atriz e roteirista
Que leitura você faz desse momento para o cinema brasileiro em Hollywood, após o sucesso de Ainda Estou Aqui?
É uma confluência de “maravilhosidades” para a cultura nacional. Tem uma coisa no mundo que ama a nossa cultura e com investimento, a gente domina essa narrativa. O apoio do público é fundamental, pois junto dele vem patrocínio, política pública, buzz na internet.
A Fernanda Torres se tornou a mais clicada no (perfil do) Oscar, gente. Estamos chegando a um momento em que o próprio brasileiro está vendo o valor da nossa arte, do nosso cinema, da nossa narrativa e falando: “Quero a nossa cara no mundo”.
Que serendipidade você estar onde está neste contexto, não é?
Também já pensei nisso. E não é à toa — tem um propósito. Meu manager (empresário/agente) começou a dizer: “Você tem que começar a fazer auditions (testes), porque ser uma atriz brasileira deixou de ser algo exótico.”
Depois da Fernanda Torres, uma atriz brasileira fazendo teste não soa mais como “ela é uma arara?”. Nos aproximamos do público americano por meio de Ainda Estou Aqui e Fernanda foi fundamental para abrir uma porta imensa. Será menos estranho ver atores e artistas brasileiros trabalhando em Hollywood.
Qual é a sua noção de sucesso?
A pior maneira de morrer é ficar enferrujado num canto. O movimento é a essência de estar vivo. Tenho uma imagem na cabeça: quando você coloca a mão na água de uma bacia e a faz girar, ao retirá-la, a água continua se movendo. Isso é sucesso.
Mas esse movimento é seu, é individual e, com ele, você aprende onde colocar a saudade das pessoas e outros sentimentos. Tive a maior oportunidade da minha carreira aos 45 anos e estou em Los Angeles há três anos. Vamos ver o que vem por aí.
Está com algum plano especial para os 50 anos?
Estou achando muito louco e me achando muito gata (risos). Olho para trás e tenho muito orgulho de toda construção, principalmente das minhas parcerias de 20 anos, gente que confiou em mim e em quem confio de volta. Esse é o meu ouro.
A idade está me fazendo me sentir cada vez mais poderosa. Se você me falasse aos 30 que iria fazer tudo isso que fiz de lá para cá, eu ia falar: "Nossa, mas será?" E está feito, e está inspirando e mudando a vida de muita gente. Então o fazer é a receita da minha felicidade.