Desnorteada pela catástrofe que assola o Rio Grande do Sul, a desabrigada Shisle Laurindo, 34 anos, se perdeu um pouco no calendário. Moradora do bairro São Luís, em Canoas, um dos afetados pela enchente, ela calcula que começou a pensar em sair de casa alguns dias depois da visita do presidente Lula ao Estado, no início de maio. Sabia que a água barrenta chegaria até sua casa, no térreo.
— Disse pra mim mesma: "Eu tô saindo, seja o que Deus quiser". Não sabia para onde ir, mas já fui preparando duas cobertas, roupas e alguns documentos, pensei nos meus filhos em primeiro lugar. Não sei se entrou água na minha casa ou não, não voltei lá, estava mais preocupada com as minhas cinco crianças. Como é que eu ia sair com eles se a água chegasse? Será que ia vir barco, helicóptero? — pondera ela, que é natural de São Paulo.
A família ficou alguns dias em uma escola do bairro, mas foi foi conduzida a um abrigo montado em uma paróquia da cidade quando a instituição de ensino também alagou. O novo local, confortável a princípio, logo ficou apinhado de gente, relembra Shisle. Sentindo-se ameaçada e temendo pelo bem-estar dos filhos, assumiu uma postura de "mãe-leoa" e fez o que estava ao seu alcance: parou de dormir e ficou em vigília.
— Vi coisas lá que me deixaram muito desesperada, ainda estou em choque. Era muito estranho, ficavam rodeando a gente, eu ficava assustada. Foram sete dias sem dormir. Com cinco crianças para cuidar, sem saber quem estava dormindo do nosso lado, com homens e mulheres todos misturados... Você dormiria">Disputa pela coroa