
— Vamos ser honestos, não são as meninas marrons de Jersey City que salvam o mundo — diz Kamala Khan (Iman Vellani) no primeiro episódio de Ms. Marvel, que estreia nesta quarta-feira (8), no Disney+.
Para a personagem, uma adolescente de 16 anos completamente fissurada pelos super-heróis que agora fazem parte do seu mundo — em especial, a Capitã Marvel (Brie Larson) —, esses seres poderosos sempre foram uma idealização, uma representação da perfeição que ela, uma fã, somente poderia observar a distância e fantasiar participar daquelas aventuras. Não caberia à Kamala, uma jovem muçulmana de origem paquistanesa, estar naquele panteão dos deuses. Por sorte — dela e do público —, ela estava errada.
GZH teve o aos dois primeiros capítulos da nova produção do Disney+ e, sem dúvidas, foi um dos começos mais promissores das séries que fazem parte do Universo Cinematográfico Marvel. E isso se dá justamente por sua pegada mais leve, bem teen, com o poder de tirar o espectador daquele drama fúnebre que se arrasta desde Vingadores: Ultimato (2019), em que os personagens ainda precisam lidar com as consequências da invasão de Thanos. Até então, apenas Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021) conseguiu sair deste arco — Cavaleiro da Lua (2022) até que tentou, mas derrapou em sua própria confusão proposta.
Em uma batida muito mais próxima do começo de Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017) e com elementos que rementem à verdadeira melhor animação de 2021, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, Ms. Marvel utiliza, em seus dois primeiros, capítulos os poderes adquiridos pela personagem principal como pano de fundo para explorar mais a própria Kamala Khan e como ela se encaixa neste mundo globalizado, em que as grandes figuras cultuadas pela humanidade são entidades inalcançáveis e muitas delas dentro de padrões estéticos irreais, ao mesmo tempo em que vive dentro de costumes que diferem dos praticados no ocidente.
Assim, Kamala é apresentada como uma jovem que está presa em rédeas curtas pela família e sente a pressão da vida adulta que está se aproximando, mas, na verdade, o que ela quer é estar dentro do mundo fantástico dos heróis. Em determinado momento da série, a rigorosa mãe da protagonista, Muneeba Khan (Zenobia Shroff), pergunta que tipo de ser humano a filha quer ser — e a resposta que a guria dá, quando sozinha, é "cósmica", enquanto contempla os seus poderes. Nos dois episódios de abertura, entretanto, nenhum vilão se apresentou para trazer perigo de fato para a jovem heroína — realidade que deve ser modificada no decorrer da série.
Esse tom mais leve e a ausência de uma ameaça real no início ajuda na imersão da proposta do programa, uma vez que coloca a protagonista de igual para igual com os "nerdolas" que deliram com o mundo dos super-heróis, vão a convenções, fazem cosplays e consomem tudo o que a cultura pop oferece sobre esses personagens — parece que é fácil, mas para estar em dia com o MCU é necessário ter visto 28 filmes e seis séries. Ou seja, são muitas e muitas horas de dedicação. Isso sem falar nas HQ's... Kamala, então, é a representante deste público dentro do próprio universo dos supers. Uma fã que ganha poderes.
E o trabalho da criadora e roteirista Bisha K. Ali, que trabalhou em Loki (2021), foi essencial para este processo. A escrita dela é cheia de referências e conversa diretamente com os jovens, mas sem deixar de ser uma história universal. A carta de apresentação, o primeiro episódio, ainda teve a direção da dupla Adil El Arbi e Bilall Fallah, que resgatou com louvor a franquia Bad Boys, com o terceiro filme lançado em 2020. Eles impam no capítulo toda a agilidade que a produção necessita para conversar com o seu público, transportando visualmente para o espectador o mundo de fantasia de Kamala, com transições divertidas, animações e inventividade na hora de filmar.
