Embora coadjuvante, ele era uma figura bastante popular, não?
Sim, até por seu jeito de ser. Philip tinha todas as qualidades esperadas de um chefe de Estado. Ele representava um papel diplomático. Viajaram muito pelo mundo. Elizabeth II rodou o mundo, representando um papel de chefe de Estado. De certa forma, dava a ideia do alcance, até onde o Império Britânico atingia. Esse lado do soft power (poder suave) foi muito bem exercido. Em alguns momentos, ele era criticado por sua ironia. Mas ao mesmo tempo representava bem seu papel. Isso para os britânicos é fundamental. Do ponto de vista simbólico, se a gente pudesse resumir em uma palavra o código cultural britânico, eu definiria como classe. Ele tinha classe porque sabia ocupar a sua posição e fazer o que é esperado.
Philip era um homem acostumado ao comando naval e que tinha opiniões fortes sobre diversos temas. Ele foi mudando ao longo do tempo e entendendo o papel na realeza?
Foi um processo de assimilação. Em "The Crown", mesmo com licença de ficção, há momentos em que eles destacam muito bem isso: em que ele tinha seu jeito de ser, mas que sabia exatamente qual o seu papel institucional, seu senso de dever. Ele nunca falhou nesse aspecto. Evidentemente, também tinha uma disciplina militar quase espartana, o que terminou inclusive influenciando a criação dos filhos mais velhos. Tanto assim que a relação dele com o neto, Harry, foi sempre maior, porque ele também tinha algo parecido, não evidentemente a explosão temperamental, o espírito rebelde que Harry possui, mas também foi para o campo de luta (Harry esteve no Afeganistão), enquanto os outros cumpriram uma função na realeza.
Como era essa identificação com Harry?
Muito forte. A perda vai ser muito sentida. Tinham um diálogo muito próximo, maior do que Philip teve com seus filhos.
O funeral será o primeiro encontro de Harry com a família desde a entrevista que ele e Meghan deram à TV americana em que falaram de racismo. O que esperar?
Pode ter havido uma zona de atrito, acontece com as melhores famílias. Mas Harry e Meghan não deixaram de ser membros da família real. Não estão desempenhando papeis oficiais da família real. É uma diferença. E abdicaram isso.
É o papel institucional diferente dos laços de família.
Exatamente, e essa ligação é profunda. Ousaria dizer que é impossível que ele (Harry) falte à cerimônia fúnebre do avô. Será o grande quebra-gelo. Já se esperava por isso, mas de outra forma. Essa reconciliação seria quando Philip completasse cem anos (em junho) e quando haveria uma série de homenagens pelos 60 anos, caso estivesse viva, da princesa Diana (em julho). Mas terminou pelo caminho da morte do avô.
Não haverá funeral de Estado. Não veremos grandes multidões, como rainha-mãe. Isso por causa da pandemia ou devido à discrição que fazia parte do jeito de ser de Philip?
Ele pedia isso (discrição). Ele queria uma cerimônia fúnebre militar. Não como herói nacional, como de fato não o era. Mas com as honras militares. Ele será enterrado em casa. Já estava no castelo de Windsor, a capela de St. George (onde será sepultado) acolhe a própria rainha Vitória, o príncipe Albert e o pai e a mãe e a irmã da rainha.
Como Philip e a rainha vinham vivendo a pandemia?
De 2017 para cá, ele já tinha se liberado das atividades oficiais. Só aparecendo em raros compromissos de família. Ele optou por um auto exílio na Escócia. Mais recentemente, Philip voltou para Windsor, mas a saúde dele começava a se agravar. Windsor é um complexo gigantesco, que permite com alguma liberdade se transitar, mesmo com a pandemia. Ficaram reclusos, embora em uma propriedade daquele tamanho em que é possível ear por quilômetros sem ser importunado. Viviam em alas separadas, é comum na aristocracia. Nunca dormiram no mesmo quarto. A rainha sempre dormia e acordava sozinha. Eles tomaram a vacina (contra a covid-19), do ponto de vista simbólico foi muito importante naquele momento coletivo para o Reino Unido e depois veio o agravamento da situação de saúde de Philip. O estado dele estava muito grave. Eu achava que ele não sobreviveria à cirurgia, de uma complexidade imensa. Idade muito avançada. Essa morte também representa os dois corpos do rei: ele tem um lado sagrado, do institucional, e outro, humano.